Conheço Tereza França desde os tempos de colégio. Entre o final da década de 1960 e a de 1970, suas roupas artesanais já eram famosas. Eram túnicas, enfeitadas com couro, com espelhos, pingentes. Vestidos longos, com bordados. Bolsas, acessórios. Todos com marca muito pessoal, naquela época seguindo a linha então muito usual inspirada na moda hippie. Parece mentira, mas tenho ainda hoje, um vestido longo daqueles tempos.
Tereza (de óculos, na foto acima) estudou na Escolinha de Arte em 1968. E a partir daí, o desenho, a pintura e a criatividade nunca mais a abandonaram. Fez pedagogia e alfabetizou muitas crianças em escolas e projetos educacionais. Atualmente é arte educadora no Instituto Capibaribe e iniciando uma nova jornada como arteterapeuta. Já afilha, Oluyiá França é tecnóloga em design de moda, pós em modelagem e criação, técnica em figurino, pesquisadora e educadora popular. Integrante do grupo de estudos acadêmicos GPEPAR/UFPE e da rede de afro empreendedores de PE.
Oluyiá tem uma marca autoral que leva seu nome e apresenta peças únicas, atemporais bordadas com influência da cultura afro-latina-americana. Às vezes, a produção da filha se confunde com a da mãe. Uma influencia a outra. E as duas são muito boas. Agora, elas se juntam na exposição “CAMINHOS”, que acontece a partir do dia 13 de janeiro, na Casa Balea, em Olinda (Rua Treze de Maio, 99, Cidade Alta, Olinda). A Casa Balea funciona, portanto, na mesma sede da antiga Casa do Cachorro Preto, agora uma produtora cultural. A abertura da expô está marcada para 18h da próxima quinta-feira. A designer de moda Oluyiá e sua mãe, a arte educadora Teresa, apresentam influência afro-latina-americana através de peças de vestuário com técnicas do bordado livre. São cerca de 50 peças entre bastidores, quadros, vestidos, blusas, chaveiros e colares, todas com os toques que tanto as identificam.
Mãe e filha criam histórias e elos que geram discussão coletiva e não enxergam suas obras como produto. “A moda é um conceito social, político e histórico e o mercado independente é o que traduz a moda brasileira na atualidade”, resume Oluyiá. “As ideias podem nos levar anos-luz longe do lugar que chamamos de casa, só para retornarmos sabendo que já tínhamos tudo o que precisávamos desde o começo”, conclui Teresa. Elas citam a autora do afrofuturismo, Yatasha Wowack: “a escolha que você não conhece é uma escolha que você não tem”. Nos looks é possível ver os caminhos trilhados por mãe e filha. Abusam da imaginação, na escolha dos tecidos, na utilização de pontos básicos do bordado aprendidos na infância, nas linhas de diversas texturas e localidades. E ainda lançam mão de rendas de décadas variadas e suas devidas aplicações. Pode-se dizer que as peças duas duas se confundem.
O saber manual é base para expressão da ancestralidade, os insumos são artigos geracionais, tanto de gerações passadas quanto das possibilidades de criar e gerar o novo. Teresa e Oluyiá alertam que as peças trazem especificidades culturais que, se continuarem a não serem contempladas, o abismo para o diálogo será cada vez maior. É necessária a luta e a afirmação como corpos políticos negros. Discussão política e étnica à parte, o que se sabe é que as roupas e acessórios produzidos pelas duas são atemporais. Aliás, tão bonitos, que podemos dizer que são peças daquelas que chamamos de vintage. Pois o vestido que tenho confeccionado por Tereza, há tantos anos, pode ser usado sem constrangimento, hoje, em qualquer lugar a qualquer hora. As peças delas, portanto, estão sempre em evidência e são atemporais. Não são o que costumam chamar de “última moda”.
Pois podemos dizer que mãe e filha fazem moda sim, mas para sempre. Com incentivo do Funcultura, o projeto também terá no dia 23 de janeiro uma roda de conversa com a intervenção artístico-cultural. Temas como individualidade, apropriação cultural, sustentabilidade do indivíduo e do meio, abordados com interação do público.
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Serviço:
O que: Exposição CAMINHOS – Por Oluyiá França e Teresa França
Quando: Abertura 13.01.22 (Quinta-feira), às 18h
Onde: Casa Balea / A Casa do Cachorro Preto
Endereço: Rua Treze de Maio, 99 – Cidade Alta – Olinda
Visitação de quarta a domingo 16h às 22h
Acesso com máscara e comprovante de vacina.
Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Divulgação / Casa Balea