Temporal: Formigueiro e ninho de joão-de-barro à prova de chuva

A gente, que costuma andar pelo Sertão, vez por outra se depara com os “Profetas da Seca”, aqueles homens que passam toda a vida na caatinga e que, empiricamente, aprendem a interpretar os sinais da natureza.  Eles são tão respeitados, que suas previsões já foram até motivo de estudo por parte de pesquisadores da Califórnia.  Há até uma música, O Xote das Meninas (de José Dantas e Luiz Gonzaga) que diz assim, “mandacaru quando fulora na seca, é sinal que a chuva chega no Sertão”.

A floração do mandacaru, no entanto, é apenas um dos sinais de que a temporada invernosa será boa na caatinga. A canafístula, quando se enche de flores amarelas, seria outro aviso de bom inverno. Os “profetas” possuem outras formas de ler os “recados” da natureza: a posição da Estrela D´Alva no céu, o focinho suado do jumento, a rã  “raspando” no pé do pote de barro da cozinha. Dizem, também, que quando  o joão-de-barro faz o ninho com a entrada virada para o nascente, é porque o inverno vai ser ruim. Quando ocorre o contrário, a entrada da “casinha” para o poente, é porque a chuva vai ser forte e os filhotes precisam se proteger da água que cai do céu.

Para os profetas da seca, o ninho do joão-de-barro virado para o nascente indica que a estiagem será prolongada.

As populações sertanejas acreditam muito nas “profecias”. Não sei hoje. Mas há alguns anos estive em Quixeramobim e em Quixadá, no Ceará, entrevistando alguns deles. Os profetas davam entrevistas nas emissoras de rádio com os “prognósticos” da invernada ou de prolongamento da estiagem. Eles costumavam se reunir com os lojistas no início de janeiro. E os comerciantes se fiavam nas “profecias”, para abarrotar as prateleiras de suas lojas de mercadorias. Se a previsão fosse de um bom inverno, o comércio se movimenta. Em caso de seca, nem seria bom fazer estoques.Não sei como a situação está hoje, mas na época, meus “profetas” chegaram a ter a reportagem entre os finalistas do Prêmio de Jornalismo Cristina Tavares Correira.

Depois, não mais lá voltei. Nesta semana, vi um fato curioso, sobre previsão de chuva, parecida com as previsões dos profetas, porém no Recife. Foi da parte de Carlos Alberto, o Carlinhos, que integra grupos de caminhadas aos quais também pertenço. Conhecedor das matas da Várzea, vez por outra ela atua como nosso guia. Semana passada, trilhando pela mata encontrou uma casa de formiga, que a gente chama de “panela”. Logo, ele postou nos grupos como Bora preservar e Andarapé, uma observação que chamou a atenção de todos nós, humanos urbanos que somos.

“Vejam que interessante, como a natureza é sábia e o ser humano cada vez  mais se afasta dela. Quarta-feira (7/4) fomos fazer nossa caminhada pela mata de Brennand e nos deparamos com esse formigueiro tipo chaminé. Eu disse a Cleone (sua esposa), vem chuvas fortes por aí. Veja como ela está se protegendo de uma possível inundação, para não entrar água no buraco. Não deu outra. Muita chuva. Outros pelo caminho com o mesmo cuidado”

A mata de Brennand a que ele se refere, é uma área preservada de Mata Atlântica, que fica no entorno da Oficina Francisco Brennand, no bairro da Várzea.. E, realmente, Carlinhos e as formigas estavam certas. No final de semana, entre a sexta e o domingo, o Recife registrou precipitação pluviométrica equivalente a 71 por cento da média histórica de todo o mês de abril. Quando morei em São Paulo, atrás de nossa casa, no bairro de Aclimação, havia  um terreno baldio. Íamos sempre à varanda, no alto, antes de sairmos, ver o “movimento”. Se houvesse ratazanas à vista, parecendo desorientadas e correndo de um lado para outro era porque ia chover. O “sinal” nunca falhou e nos equipávamos com capas e guarda-chuvas.

Aqui em Apipucos, me habituei a observar o comportamento dos saguis, que me visitam diariamente em busca de bananas ou outras frutas, “banquete” que há  mais de quinze anos mantenho com regularidade. Não há cerimônia entre nós. Somos amigos. Quando eles não aparecem, é porque vem chuva. Outro sinal é quando passam na maior velocidade, correndo nos fios de volta a um sítio vizinho, onde há muitas árvores. Se estiverem na rua aqui ao lado ou na praça que fica na frente, em um instante passam a mil, correndo e equilibrando-se pelos fios de volta ao sítio.  Ou seja,  não podemos falar em “profetas da seca” em áreas urbanas. Mas  as pessoas aprendem a fazer a leitura dos sinais da natureza. Seja por coincidência ou pela lógica….

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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Fernando Batista (Acervo #OxeRecife) e Carlos Alberto (Grupo Andarapé e Bora Peservar)

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