Sessão Recife Nostalgia: São Luiz, vitrais e noite de festa como nos velhos tempos

Que alegria,ver o  São Luiz cheio de gente! Foi nessa segunda-feira, durante a pré-estreia  do filme Medida Provisória.  A produção distribuiu 300 convites, e os ingressos que sobraram se esgotaram. Por coincidência, estivemos lá no domingo, para falarmos justamente sobre o cinema, durante o passeio O Recife que te quero ver.  E tinha público lá, o que para nós foi uma imensa alegria. Alegria que se renovou nessa segunda-feira, com a casa lotada.  Afinal, o  Recife já chegou a ter 55 cinemas de rua funcionando.Todos fechados. Boa parte ficava no centro, como o Moderno,  o Art Palácio, o Trianon,  o Boa Vista, o Veneza,  o Ritz e o Astor .  O Boa Vista era o único que tinha um gracioso jardim interno. Tínhamos, também, o Cine  Glória (no bairro de São José), o único em estilo art nouveau do Recife.   E que, infelizmente, virou um mercado de quinquilharias chinesas, o Lig Lig.  Ao final da década de 1990, quase todos davam o último suspiro e fechavam as portas. O Cinema São Luiz  não escapou  ao drama. Chegou a fechar também pouco tempo depois, mas felizmente  sobreviveu à hecatombe, pois é o único de rua que resta no Recife. Talvez um dos últimos do país.

Um lembrete: O São Luiz inverteu uma realidade que se tornou comum no Recife nas últimas décadas do século 20, quando cinemas de rua viraram templos evangélicos. Ele fez o caminho inverso desde o início, pois o Edifício Duarte Coelho –  no qual ele está instalado –  foi construído onde existia antes uma capela presbiteriana. Ela foi demolida em 1838, durante as obras de alargamento da então Rua Formosa, depois chamada Avenida Conde da Boa Vista. O São Luiz é o único cinema de rua que sobrevive no Recife. E é considerado um dos maiores do país. Foi inaugurado em 1952, época em que o centro da cidade reunia o comércio sofisticado nas ruas Nova e Imperatriz, quando ainda não tínhamos shopping-centers. Aos homens era exigido o uso de paletó e algum que chegasse de sandália ou bermuda era barrado na portaria. Até o uso de gravata chegou a ser exigido. Aos sábados e domingos, as famílias iam ao Cinema e de lá costumavam passear a  pé pelo centro então charmoso, tomar um sorvete ou mesmo olhar as vitrines de lojas como a Sloper.  Em frente ao cinema, fica a mureta antes chamada de quem me quer, onde as pessoas se encontravam, paqueravam e curtiam a paisagem da rua, esperando a hora da sessão.

 

Na década de 1960 e 1970 ficaram famosas as sessões de arte do São Luiz, que ocorriam nas manhãs do sábado, quando a meninada  (eu inclusive) gazeava a última aula do colégio, para não perder o filme do dia. Infelizmente o São Luiz foi perdendo público com o esvaziamento do centro. Chegou a fechar em 2007, mas foi reaberto em 2009 e hoje é tombado pela Fundarpe.  Tinha originalmente 1.300 poltronas, que foram reduzidas a  pouco mais de 800 com a reforma, o que faz dele não só um dos únicos cinemas de rua mas também um dos maiores do Brasil. Ele ocupa quatro pavimentos do prédio, que fica na esquina da Avenida Conde da Boa Vista com a Rua da Aurora.

Agora, a parte  afetiva. Eu, como todo recifense, amo o Cinema São Luiz.  Foi nele que assisti  o meu primeiro filme, Lili, dirigido por Charles Walters, na década de 1950 e hoje considerado um clássico do cinema.  A película é de 1953, mas naquela época as novidades de Hollywood demoravam até três ou quatro anos para chegar a São Paulo e Rio de Janeiro, e ainda mais para estrear no Recife.  Seu tema musical Hi Lili, Hi lo, virou sucesso mundial. Pois sabem da maior? Eu não gostei  muito do filme. É que fiquei encantada com os vitrais de jarros ao lado da tela, e tudo que eu queria durante a exibição era que  o filme acabasse para contemplar de novo aquele alegre  espetáculo de flores, folhas,  cores e formatos. O vitral é de autoria de Aurora Lima, discípula de Henrich Mooser, artista alemão (1886-1947), que fez história decorando prédios famosos do Recife, entre eles os vitrais  do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Para completar, o meu pai dizia que um jarro era diferente do outro. E em sessões seguintes, eu procurava a diferença. Que, até hoje, não consegui achar.

Essas colocações foram feitas, em parte, no  passeio O Recife que eu quero ver, quando fui escalada para falar sobre algum assunto que me toca na cidade onde nasci, cresci e na qual vivo hoje. Escolhi o Cine São Luiz, que tanto me encantava na infância. Um cinema que me desperta paixão, ainda hoje, como nenhum outro, com suas colunas de mármore, suas ferragens douradas, seu painel com a assinatura de Lula Cardoso Ayres (1910 -1985). Tendo  o urbanista e arquiteto Francisco Cunha na “plateia” da caminhada (foto inferior), nem entrei em detalhes da arquitetura do cinema. Mas sim das memórias afetivas. Lembrei o  seu ocaso, pouco antes de fechar, quando havia exibição de filmes de arte, nas noites de sexta-feira. Eu frequentei quase todas incluindo as últimas sessões, com a plateia quase vazia, e já  em clima de despedida e nostalgia. Lembro que na derradeira vez em que lá estive, só havia seis pessoas para ver o filme. Mas não lembro qual.

No domingo, falamos do Cine São Luiz e nossas memórias afetivas. Na foto, ao meu lado, o urbanista e arquiteto Francisco Cunha.

Felizmente, o São Luiz, patrimônio de Pernambuco , está salvo! Vamos prestigiá-lo! Nessa segunda-feira, o São Luiz estava uma festa. Parecia até que estava havendo um festival. Mas era a pré-estreia do comentadíssimo filme  Medida Provisória, com a presença do elenco e do diretor, o também ator Lázaro Ramos. Viva o São Luiz! Viva o cinema brasileiro e todos os cinemas do mundo!

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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Fundarpe, Hans Von Manteuffel e Genival Paparazzi (foto de abertura)

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