O Recife esteve no roteiro de cineastas famosos e até de astros e estrelas de Hollywood. Dois ilustres personagens que deixaram marcas na memória da população foram Orson Welles (1915 – 1985) e Roberto Rosellini (1906-1977). O primeiro teve uma passagem tão tumultuada, segundo contavam seus contemporâneos, que levou o saudoso cineasta Amin Steple a fazer o filme That´s a Lero-Lero, mostrando que tudo que o diretor de Cidadão Kane queria, no Recife, era fazer farra e conhecer os inferninhos da cidade. Já a visita do diretor italiano levou o escritor Cícero Belmar a escrever o divertido livro Rosellini amou a pensão de Dona Bombom, uma ficção inspirada boa parte em fatos reais. Lembro, também, de uma rápida passagem de Franco Zeffirelli pelo Aeroporto dos Guararapes, na década de 1970.
Nos anos 1940, passou pelo Recife Errol Flynn (1909-1959). Na década de 1960, outros artistas famosos também andaram pela cidade: Gene Barry (1919-2009), o intérprete da série Bat Masterson, sucesso mundial no século passado. Ele fez um show no Clube Português, que virou um “formigueiro”, de tanta gente querendo vê-lo. Em 1961 – mesmo ano da visita de “Bat Masterson” – quem passou por esta capital foi Tony Curtis (1925-2010), então um galã famoso do cinema americano. Chegou com a mulher (Janet) e filhos. E resolveu passear pelas nossas ruas, enquanto o navio em que veio dos Estados Unidos aguardava partida para a Argentina. Ia para Buenos Aires. Nos anos 1970, quem passou rapidamente pela cidade – dessa vez em escala de voo – foi Franco Zeffirelli (1923-2019). E eu estava lá, no Aeroporto dos Guararapes, para relatar sua visita. Galanteador, alegre e brincalhão.
O que pouca gente sabe é que Henry Fonda (1905-1982) também esteve no Recife. Discretamente, mas esteve. Quem assegura é Esther Katz Azoubel (foto) que, aos 96, tem memória de fazer inveja a muita gente de 40. À época moradora do bairro da Boa Vista, ela lembra que deparou-se com o galã quando foi comprar pão e leite na padaria. “Naquele tempo, a Praça Maciel Pinheiro tinha bancos de pedra, a fonte, a estátua e também dois jambeiros”, diz.
“Ele estava sentado e olhava os prédios como se contemplasse a cidade”, lembra. Tia Teté – como a chamam os sobrinhos, inclusive o amigo Jacques Ribemboim – lembra que ele usava camisa branca e calça escura. “Foi um presente ver um artista de Hollywood tão pertinho de mim”, conta. Tímida, ela não o abordou, sequer, para um autógrafo. “O Recife não tinha grandes hotéis e os galãs se hospedavam no Hotel Central e até passeavam na Maciel Pinheiro”, com certeza uma praça sem a decadência que lhe caracteriza nos dias de hoje. Outros artistas optavam pelo então Grande Hotel, como Errol Flynn.
Discreta, Tia Teté conta que era tímida, ao contrário de suas colegas de classe. E lembra que pelo “jeitão” de Henry Fonda, ele deveria não gostar de ser assediado. No entanto, outro astro que passaria na época pelo Recife provocaria uma “revolução” entre as moçoilas: Errol Flynn (de terno), que em 1940 visitaria o Brasil, passando pelo Rio, Recife, Belém e Salvador. Teté conta que as colegas de classe pularam o muro do colégio e foram até o Grande Hotel, em frente do qual o astro teria chegado de hidroavião. “No dia seguinte elas apareceram com pedaços da roupa dele, dos bolsos, e até botão da camisa”, diverte-se. “Eu não gostei disso, para mim foi uma atitude feia”, afirma Teté.
E eu que pensava que o histerismo de rasgar roupa de artistas era coisa mais recente… Mas nem só de artistas vivem as lembranças de Tia Teté sobre o cinema. Ela frequentava o Teatro do Parque, onde as mulheres tinham que usar chapéu, nas primeiras décadas do século passado. “A dama que não usasse o elegante acessório era barrada”, conta. “O pior é que como os chapéus femininos tinham abas grandes, era um suplício ver a tela toda sem pedir licença a quem sentava à nossa frente”, recorda. Os homens tinham de usar terno. Dos filmes que assistiu lá, Tia Teté nunca se esqueceu de um: “E o vento levou”, um dos inesquecíveis clássicos do cinema e que corre as telonas e telinhas do mundo, desde 1939. O Parque, tal qual ficou hoje – após a reforma de mais de uma década – era uma casa “muito alinhada”. E ela lembra mais dele como cinema, do que como teatro. Teté ia a outros cinemas, mais baratinhos, como o Politheama, que ficava na Rua Barão de São Borja, também na Boa Vista. “O telhado era de zinco, e quando chovia fazia um barulho infernal”, diverte-se.
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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Letícia Lins e Internet