Fui hoje ao Mercado da Madalena, como faço todos os sábados. Por precaução, fui cedinho, mas nem precisava. Estava deserto. Com os bares sem funcionar, a boemia que vira a noite no local sumiu. Havia poucas pessoas comprando mantimentos: queijo, carne de sol, manteiga de garrafa, essas coisas. Ao meu lado, uma mulher esquálida pedia uma ajuda. “Não preciso dinheiro, quero comida”. Fui com ela à padaria, defronte do mercado, onde lhe ofertei uma quentinha com carne e macaxeira cozida. Sentada no meio- fio, outra figura, na mesma situação, ossos à mostra e parecendo tísica, fazia o mesmo apelo.
Fiquei triste, pensando no que será de tanta gente que vive na informalidade, com as restrições impostas pela pandemia do coronavírus. Já vi muitos saques provocados pela fome no Sertão, em tempos de seca. E temo que esse vírus buscapé deixe terminem por provocar cenas semelhantes. A fome sempre traz junto o clima de convulsão social. No meio artístico, alguns grupos de teatro começaram a pedir ao público que não solicite devolução de ingressos já comprados. Quando o furacão passar, as pessoas poderão assistir aos espetáculos anunciados e posteriormente cancelados devido à pandemia. Houve, também, quem tomasse a iniciativa, para não deixar os artistas em má situação. É o caso do Clube das Pás, o que tem a maior frequência de festas no Recife,que ocorrem até nas segundas-feiras. “O Clube das Pás comunica que os 18 músicos que se apresentam diariamente no Clube, maioria deles integrantes da Orquestra das Pás, vão continuar a receber os seus cachês normalmente durante o período em que o Clube permanecer fechado. A decisão foi do presidente Rinaldo Lima, que entende que o momento requer solidariedade e responsabilidade social”, informa nota divulgada pelo clube. Muito bom. Os shopping centers já estão sem funcionar. Desolação necessária, para que em Pernambuco não se repita o que ocorre na Itália.
Em ambientes domésticos, algumas famílias que conheço, residentes em Boa Viagem – um dos focos da epidemia no Recife – me informaram que dispensaram os empregados domésticos da obrigação de comparecer ao trabalho. Mas que estão garantindo salários das fixas e pagamento de diaristas. Mesmo que fiquem em casa. São ações importantes e conscientes, para que a fome não se alastre, pois já tenho visto gente chorando, em situação de desespero sem saber como garantir o alimento da família. Enquanto isso, amigos meus relatam a venda de máscaras em alguns estabelecimentos por até R$ 55 a unidade. Ou seja, sobra consciência de um lado. Mas sempre tem quem falte com ela do outro. São os aproveitadores. Já vi esse filme antes, quando a Zona da Mata foi atingida por uma enchente sem precedentes, e mercadinhos locais vendiam água mineral e bojão de gás a preços extorsivos. Uma dessas lojas oportunistas e criminosas era de um político de uma das cidades atingidas. Agora, mais do que nunca, as autoridades devem ficar de olho. E quem observar abusos, tem mais é que chamar a polícia, o Procon, o que for preciso.
A Companhia de Serviços Urbanos do Recife – Csurb ratificou hoje que o horário de funcionamento dos mercados e feiras públicas está reduzido, passando a funcionar das 8h às 15h. O atendimento em restaurantes e bares nos mercados fica restrito ao serviço de entregas, o que, de certa forma, pode garantir o ganha pão dos funcionários desses locais. Os permissionários – que hoje já amargavam menor movimento – terão um prazo de 90 dias de suspensão do pagamento de suas permissões. Uma medida que visa dar mais tranquilidade aos trabalhadores nesse momento de crise. “É imperativo que as pessoas fiquem em casa. Mas, sabemos que existe a necessidade de comprar comida e alguns insumos para uso doméstico. Portanto, os mercados permanecerão abertos, mas, em horário reduzido, para diminuir as chances de exposição ao Covid-19.”, explica Berenice de Andrade Lima, presidente da Csurb.
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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Foto: Letícia Lins e Clube das Pàs/Divulgação