A saga dos santos resgatados

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Na vida de repórter, há algumas cenas que a gente nunca esquece. Uma dessas aconteceu  comigo em Goiana, cidade localizada na Zona da Mata Norte, a 60 quilômetros do Recife, onde vi – no interior de uma igreja – centenas de santos amontados no chão, como se fossem sacos de batatas. Ou mercadorias jogadas em um depósito de secos e molhados. Não eram imagens comuns, mas sim peças que representavam três séculos de história. Uma delas, Nossa Senhora do Amparo (foto acima)  foi doada a Goiana por ninguém menos que a Princesa Isabel, aquela mesma da abolição da escravatura.

Apesar da importância do acervo, a situação das peças  me chocou. Estavam mutiladas, sujas, roídas por cupins. Não lembro quando isso ocorreu, mas penso que foi no fim dos anos 1990. Fiquei muito triste com o que vi, pois sabia da importância daquele patrimônio. E bota patrimônio nisso. As peças – cerca de 870 –  são dos séculos 17, 18 e 19. São bancos, santuários, relicários, santos e santas, sagradas famílias, e por aí vai. Elas pertencem à Diocese de Nazaré da Mata. Por conta do descaso das autoridades e dos próprios religiosos, passaram por três endereços: Igreja do Amparo, Igreja de Nossa Senhora dos Homens Pretos e Prefeitura. E sofreram até despejo.

Sagrada Família, já restaurada, encontra-se em exposição no Museu de Arte Sacra, em Goiana: depois do sufoco.

Pois chegaram a ser colocadas na calçada por representantes da Igreja Católica, que diziam não ter como cuidar do acervo. Nesse caso, correram até o risco de serem levadas no caminhão do lixo. Em 2005, no auge da crise, a Prefeitura de Goiana as recolheu, para protegê-las do sol e da chuva. Mas ficaram um bom tempo amontoadas em um sótão, sem os cuidados de restauradores. Absurdo, coisas do Brasil. Mas, felizmente, essa história mudou. E mudou por causa de uma instituição, no caso o Sesc, que tem uma unidade em Goiana, na qual foi instalado o Museu de Arte Sacra, onde as peças vêm sendo restauradas. E parte do acervo (172 peças) já está em exposição. Para se ter uma ideia da curiosidade que ele desperta, até outubro, nada menos de 17 mil pessoas já o tinham visitado em 2017.  O mês de junho é o que concentra maior quantidade de visitantes, quando o Sesc Ler sedia concurso de quadrilhas Quando estive lá, na semana passada, alunos de várias escolas participavam de visita guiada à instituição.

“Ao tomar conhecimento do drama do acervo, o Presidente do Sistema Fecomércio Sesc/ Senac em Pernambuco, Josias Albuquerque, decidiu criar um museu de arte sacra, já que tínhamos um bom espaço na nossa sede”, afirma Maria do Socorro Chaves da Costa, Gerente do Sesc Ler em Goiana. As peças foram todas catalogadas pelo Iphan. E desde 2014, vêm sendo restauradas, em trabalho caro, minucioso e demorado. Felizmente. No momento, o Sesc banca sozinho as despesas com o serviço. E tenta empresa parceira, que possa ajudar nos custos da empreitada. Bem que a Fiat, que está localizada em Goiana, poderia ser empresa parceira, vocês não acham?  Com ou sem ajuda, o fato é que os santos já contam com o tratamento que merecem. Muita coisa ainda há por fazer. Mas, pelo menos, as peças que aguardam restauração estão acomodadas, sob cuidados técnicos que vão da proteção da poeira à temperatura. Felizmente, já não como antes, amontoadas como se fossem mercadorias imprestáveis..

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Texto e fotos: Letícia Lins / #OxeRecife

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