Polêmica no dia em que o Estatuto da Criança e Adolescente completa 31 anos de existência. É que Justiça Federal de Pernambuco suspendeu os efeitos de Resolução do Conselho Nacional de Políticas Sobre Drogas adotada no Governo Jair Bolsonaro. Tudo porque a dita resolução contraria o próprio ECA, a Constituição, convenções internacionais e até permite que crianças e adolescentes com dependência química sejam “acolhidos” em comunidades terapêuticas junto com adultos. A Resolução em questão é a número 3/2020, que foi assinada pelo então Ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça.
Atualmente respondendo pela advocacia geral da União, Mendonça acaba de ser indicado para o Supremo Tribunal Federal. A Resolução foi alvo de ação civil pública ajuizada pela Defensoria Pública da União e também de cinco estados (Pernambuco, Rio de Janeiro, São Paulo, Mato Grosso e Paraná). As entidades questionam a sua legalidade. E alegam que ela desvirtua os direitos de crianças e adolescentes, e que foi criada sem a participação de entidades como o Conselho Nacional da Criança e do Adolescente (Conanda) e do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS).
Traz, ainda, inovações “manifestamente ilegais, que não se mostram adequadas e proporcionais às finalidades previstas no ECA, na Constituição da República, na Convenção Sobre Direitos da Criança da Organização das Nações Unidase na Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas), com alterações trazidas pela lei número 13.840/2019. Antes da Resolução 3/2020, o governo já havia providenciado a exclusão da sociedade civil do Conanda, que passou a ter 14 membros, doze dos quais ocupadas por ministérios ou seu representantes.
Com isso, órgãos como UNE, OAB, SPBC ficaram de fora de decisões sobre o assunto. E crianças e adolescentes usuários de drogas terminaram nas mãos das chamadas comunidades terapêuticas, podendo ser “acolhidas” (ou recolhidas?), independente de decisão judicial. A juíza federal titular da 12ª Vara da JFPE, Joana Carolina Lins Pereira, decidiu acatar a ação e suspender os efeitos daquela Resolução cuja legalidade é questionada na ação civil pública.
Atendendo às alegações das defensorias, a Juíza determinou, também, a suspensão do repasse de recursos federais destinados para a manutenção de vagas para adolescentes com problemas decorrentes do uso, abuso ou dependência do álcool e outras drogas em comunidades terapêuticas.“No que concerne aos 500 jovens acolhidos atualmente em comunidades terapêuticas, conforme noticiado pela União, penso deva ser concedido o prazo de 90 dias para que seja providenciado o seu desligamento (salvo os que estiverem por decisão judicial), devendo o Ministério da Saúde assegurar o recolhimento de tais jovens, à vista de sua portaria de número 3.088/2011/MS, que instituiu a Rede de Atenção PsicoSocial (RAPS) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Argumentou a magistrada, reproduzindo recomendação assinada pelo Conanda, CNS (Conselho Nacional de Saúde) e CNDH (Conselho Nacional de Direitos Humanos):
“Confinar adolescentes em comunidades terapêuticas é uma distorção do dever do estado de cuidar e proteger de suas crianças e adolescentes, garantindo que cresçam em condições dignas e propícias ao seu desenvolvimento, perto da família, com direito à escola, à segurança e ao cuidado em uma rede inclusiva, pública”.
Ao Governo federal, cabe recorrer da decisão à própria Juíza e ao STF. No Brasil, haveria quase 2 mil comunidades terapêuticas, que acolhem 83.600 pessoas, entre menores e adultos. Com a Resolução 3/2020, dependentes químicos maiores e menores convivem no mesmo ambiente. Para a juíza, não há, portanto, autorização para acolhimento de adolescentes nas comunidades terapêuticas, e menos ainda, que dividam espaços com adultos”.
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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Divulgação