Em minha vida de repórter, já perdi as contas das vezes em que tive que fazer a cobertura de edifícios que desabaram na Região Metropolitana do Recife, principalmente em Olinda, Jaboatão dos Guararapes e na própria capital. Lembro-me que a primeira tragédia que fui destacada para cobrir foi em Jaboatão, quando o Edifício Giselle caiu, deixando um saldo de 22 pessoas mortas. Isso foi em 1977. Desde então, a queda de prédios passou a ser quase uma rotina: Baronati, Érika, Enseada de Serrambi (em Olinda); Nossa Senhora da Conceição, Aquarela, Ijuí e Sevilha (em Jaboatão dos Guararapes); Bosque das Madeiras (Recife), são apenas alguns dos prédios que tombaram. Na quinta-feira, mais uma tragédia, dessa vez em Olinda. Interditado desde 2000, e irregularmente habitado, o Edifício Leme caiu, e os bombeiros ainda trabalham no resgate de vítimas.
Até o momento, são três mortos, cinco feridos e desaparecidos. À exceção do Giselle, o que esses imóveis sinistros têm em comum? Foram construídos naquele sistema popularmente chamado de prédio caixão, que foi profundamente estudado por especialistas, por conta de tantos acidentes e vidas perdidas. Por acaso, achei em uma de minhas gavetas o livrinho “Diretrizes para Solução dos Problemas Relacionados aos Prédios Construídos em Alvenaria Resistente na Região Metropolitana do Recife”, publicado em 2009. A “alvenaria resistente” é justamente aquele tipo de construção. “A maior parte dessas edificações foi executada de forma empírica sem atendimento aos requisitos de normas técnicas específicas que possibilitassem o estabelecimento de padrões de confiabilidade aceitáveis”. Ou seja, um problemão. Pior: os estudos mostravam que o risco de desabamento de prédios do tipo caixão na RMR era somente maior do que em qualquer lugar do mundo.
O estudo – realizado por especialistas de várias universidades e outras entidades e publicado pela Universidade de Pernambuco (UPE) – indicava, à época, a existência de 6 mil prédios em situação de risco de desabamento na RMR, colocando em risco a vida de 250.000 moradores. A construção desse tipo de edifício, que tomou impulso nos anos 1970, “deveu-se em grande parte, ao menor custo em relação às obras com estrutura convencional de concreto armado”. Ou seja, uma mistura de apego demasiado e irresponsável ao vil metal, por parte do empresariado, à omissão de órgãos financiadores quanto à eficiência e segurança de métodos utilizados. De acordo com cálculos dos especialistas, o risco de desabamento desse tipo de prédio era à época de um para quinhentos, proporção inaceitável pelos padrões internacionais. “O indicador corresponde para o caso que envolve risco para vidas humanas é de um por 10 mil, sendo um por 100 mil um valor desejável”.
No documento elaborado pelos técnicos houve uma série de alertas, quanto ao método de construção desse tipo de prédio, que contava com generosos financiamentos da Caixa Econômica Federal. Entre as falhas apontadas, os pesquisadores mostraram que, talvez por medida de economia, os incorporadores faziam um caixão subterrâneo para sustentar o prédio, porém sem o preenchimento de concreto (aterro compactado) necessário para a sustentação. “O porão assim formado cria um ambiente potencialmente agressivo aos elementos de embasamento e à própria laje. É agravado pela inexistência de saneamento, em muitos casos”.
Ou seja, ganância do empresariado (que não fez a sua parte para economizar), omissão das autoridades (que não fez a sua parte, exigindo cumprimento de normas técnicas seguras), e déficit de moradia compõem uma mistura explosiva, de consequências trágicas, como o acidente que acaba de acontecer com o Edifício Leme que, aliás, estava interditado desde 2000. Se o risco era tão grande, por que não foi logo demolido? O resultado da investigação dos pesquisadores, já alertava: “Os prédios construídos com alvenaria resistente estão sujeitos a ruptura brusca e colapso progressivo”.
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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Foto: Genival Paparazzi / G.F.V Paparazzi / ZAP (81)995218132)/ gfvpaparazzi@gmail.com