Quem conhece essa jaqueira, localizada na Várzea, sabe o quanto ela é importante para aquele bucólico e ainda não verticalizado bairro da Zona Oeste do Recife, no passado ocupado por canaviais, casas grandes e senzalas. A planta tem grande significado histórico. Mas nem isso a poupou da motosserra insana, pois há alguns dias, faltou pouco para que ela se transformasse em mais uma vítima de arboricídio, como mostra a foto acima. A nova degola revoltou os moradores do bairro, que agora querem o seu tombamento. É que a planta é símbolo de uma bela história de amor (vivenciada entre um engenheiro francês e uma escravizada no século 19). E também representa a memória da liberdade da população que vivia cativa, em regime de trabalho forçado nos engenhos de um Recife ainda rural e escravocrata.
A árvore é a mesma que está na foto abaixo, em preto e branco, onde aparece frondosa, no terreno onde foi plantada, no século 19, ao lado da casinha branca do casal, que foi demolida no início do século 21. Atualmente a planta vive comprimida entre o muro e um prédio do Conjunto Habitacional Morada Verde, na Rua Mário Campelo, na Várzea. Durante a construção do condomínio, a jaqueira quase foi vítima da motosserra insana e de arboricídio. Mas sobreviveu devido a apelos e saudáveis protestos dos moradores, que queriam preservar a memória do bairro. A história de amor entre o engenheiro (loiro e de olhos azuis) e a negra (escravizada e analfabeta) ainda hoje alimenta o imaginário da população da cidade. Ele era Julio Adurand, e veio da Europa para trabalhar na implantação da primeira usina a funcionar em Pernambuco com caldeira a vapor, quando os engenhos ainda eram do tipo banguê. E logo se apaixonou por Feliciana, que servia no refeitório dos funcionários graduados da Usina São João da Várzea, da qual ainda restam algumas ruínas naquele bairro.
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Adurand terminou se casando com a escrava do patrão, o que foi um ecândalo para os padrões da época. O matrimônio virou alvo de comentários e fofocas da preconceituosa sociedade de então. Mesmo assim, o enlace ocorreu sob as bênçãos da “proprietária” da escravizada, que ganhou alforria como presente da festa de casamento. Ela era a preferida da “sinhá” .
Em maio de 1888, Felícia comia uma jaca na frente de casa onde morava com o marido francês, quando um amigo lhe contou que a Princesa Isabel havia assinado a Lei Áurea. Ele estava chegando da venda de verduras que fazia em domicílios no seu cavalo. E informou que não se falava em outra coisa nos bairros como Recife, Boa Vista, Santo Antônio, São José onde todos os negros já estavam libertos. Segundo o livro “Lembranças do Tempo que se Foi”, de Marcos Ferreira da Silva Sobrinho, a notícia sobre a Lei chegara pelo telégrafo. Feliz com a novidade, Feliciana plantou um caroço da jaca que comia em frente de sua casa. E disse aos vizinhos que a árvore que ali nascesse seria uma homenagem a todos os negros que viveram e morreram em cativeiro.
A planta chegou ao século 21. Por ocasião da construção do condomínio, a antiga casinha foi demolida e a árvore do sítio quase foi derrubada. Mas escapou da motosserra insana devido à mobilização da professora Maria Antonieta Ferreira Vidal que, com seus alunos, cercou a árvore para que ela não caísse. Para Antonieta, que é irmã do autor do livro sobre a história da Várzea, a árvore tem que ser preservada. “Virou uma relíquia” não só do bairro, mas do próprio Recife. Porém, vocês vão saber agora o que aconteceu com ela.
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É que os moradores do habitacional tomaram um susto, nesse mês de agosto, quando viram chegar ao local um caminhão-girafa, com funcionários que, motosserra insana em punho, chegaram para mutilar a árvore. Os condôminos reclamaram, mas não foram atendidos. O corte foi radical. Só sobraram mesmo o tronco, e dois galhos mais grossos, no formato em V. “Veja só, aquela famosa jaqueira de Feliciana, a Prefeitura fez uma poda nela. Antonieta, que não estava na hora, não teve como conter novamente, lamenta Carlos Alberto Alves da Silva”, em denúncia encaminhada ao #OxeRecife. Ele é morador do bairro, plantador voluntário de mudas na região. E, algumas vezes, nos guia nos passeios pelo bairro, incluindo suas matas. Conforme Carlos Alberto, Antonieta está querendo saber onde denunciar e tentar tombar essa jaqueira. Ela indaga: “Você pode dar uma luz?”, com zelo de fazer inveja aos órgãos públicos que não parecem ter cuidado com a preservação da nossa memória, já que no Recife é comum o sumiço de obras de arte, placas em bronze e até árvores das vias públicas.
Aqui vai a resposta: A denúncia deve ser encaminhada à Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Recife. Como quem fez a poda é também a Prefeitura, é possível que a reclamação não dê em nada. Então, talvez seja bom apelar para a Ouvidoria da Prefeitura ou ao Ministério Público.
Quanto ao pedido de tombamento da árvore é preciso que o requerente faça uma solicitação via ofício e que, se possível, tenha assinaturas dos interessados, como associações, por exemplo. Após o recebimento, a SMAS – a quem deve ser entregue o ofício – irá acionar a Comissão de Tombamento para analisar a viabilidade da solicitação. A informação é da própria SMAS.
O Recife tem 54 árvores tombadas. O tombamento é previsto em Lei Federal (4.771/65, do Código Florestal), ratificada por Lei Municipal (15.072/88) e por Decreto (24.510/2009). “Qualquer árvore pode ser declarada imune de corte, mediante ato do poder público por motivo de localização, beleza, raridade, condição de porta sementes,bem como boas condições fitossanitárias e área de projeção de copa livre”. Pelo visto, parece que o aspecto histórico não tem a devida importância, por parte de nossas autoridades.
Abaixo, você confere vídeo sobre a “poda” assassina, e mais informações sobre a Várzea, e perdas de patrimônio verde naquele bairro e áreas vizinhas.
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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos e vídeo: Letícia Lins, Moradores da Várzea e Acervo #OxeRecife