“O Paraíso deve ser aqui”

Depois de Bacurau, Parasita e Coringa – todos excelentes, mas com abuso de cenas de violência explícita, com muito sangue derramando na telona  (o que me obrigou a baixar os olhos algumas vezes) – fui assistir  O Paraíso deve ser aqui. E o fiz no Cinema do Museu, sem ter me dado ao cuidado de ler a sinopse do filme, coisa rara de acontecer antes de ir a qualquer cinema. Talvez por isso mesmo tenha sido uma grata surpresa. Quem ainda não o assistiu, não deve perder a oportunidade, pois essa quarta (29) é o último dia de exibição. E o filme é l-i-n-d-o.

O filme dirigido pelo diretor Elia Suleiman é um bálsamo para o espírito dos espectadores. Embora boa parte dele tenha sido produzido em região tão conflagrada e da qual a gente ouve mais falar em conflitos armados do que na sétima arte. Desavisada, fui pensando em ver problemas como os desencontros e atritos de fuzis na Faixa de Gaza ou por ali por perto. Estava errada. Tanto que alguns amigos meus saíram do Cinema do Museu reclamando da “monotonia” do filme, que fica em cartaz até hoje no Cinema da Fundação, no Derby. No início, tive a impressão que Elia apenas era uma pessoa solitária, que vivia de observar o comportamento dos seus patrícios, da varanda de sua residência. Ele praticamente não fala. Só olha.

Claro que só observa. Com seu olhar diferenciado de cineasta. Afinal, o diretor interpreta ele mesmo, em andanças pelos três países.  E como tal, tece comparações entre a Palestina, a França (Paris) e os Estados Unidos (Nova York). Aos dois últimos, faz visitas, para tentar recursos para concluir um filme sobre a Palestina. Que não seria um filme violento, mas uma “comédia”, o que dificulta ao diretor arranjar dinheiro para sua produção. Talvez um filme igual ao O paraíso deve ser aqui,  no qual ele mostra diferenças e semelhanças entre os três países, sem recorrer as violentas cenas que se banalizam cada vez mais nos cinemas e que parecem ter se transformado em ferramenta para o sucesso. Mas que, em excesso, cansam. Pelo menos, no meu caso.

O Paraíso deve ser aqui expõe o lado mais lúdico do interior da Palestina, o cotidiano entre vizinhos, uma gang aparentemente de maus elementos (mas que passa por Suleiman no meio de uma rua deserta, sem que os marginais lhe roubem, sequer uma carteira). Também exibe a agitação das casas noturnas em áreas urbanas. Em Paris, o excesso de organização dos órgãos oficiais  (inclusive da polícia), a paisagem, os cafés, a loja de modas (com manequins brancas e  a encarregada da limpeza, de cor negra). Enfim, como se sente um palestino andando pelas organizadas ruas da capital da França. Em Nova York, no escritório de uma grande produtora de cinema, seu projeto de comédia sobre a Palestina é rejeitado. Juntando tudo, o filme se transforma em uma metáfora do que a vida tem de comum e diferente quando tem como pano de fundo e como cenários, a Palestina, Nova York e Paris. Ao longo da exibição, o diretor /ator praticamente não fala. Só quando necessário, como no momento em que se estabelece a necessidade de diálogo – por exemplo – entre o personagem diretor e os eventuais “produtores” do seu pretendido “filme” sobre a Palestina. Sinceramente, uma graça, esse filme. Criativo, longe do lugar comum e… lindo.Eu amei.

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Serviço:
O quê: “O Paraíso deve ser aqui” (filme de  Elia Suleiman)
Onde: Cinema da Fundação Derby (Rua Henrique Dias, 609, Derby)
Quando: quarta, 29, às 15h40m (última exibição)
Quanto: R$ 14 e R$ 7 (meia).

Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Foto: Divulgação

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