O “rio” de João Cabral na Passa Disco

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As pessoas costumavam dizer que, pessoalmente, o poeta João Cabral de Melo Neto (1920-1999) era um “chato”. Um intelectual mal humorado. Então, fui cheia de precauções, no dia que recebi um convite do saudoso poeta Francisco Bandeira de Mello para acompanhá-lo, em incursão de barco, pelo Rio Capibaribe. Era repórter do Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro, quando mergulhei na missão. E minha intenção era fazer um passeio que lembrasse os versos de Morte e Vida Severina, seu poema mais famoso. Conhecê-lo foi uma agradável surpresa. Simples, respondia com aparente humildade às minhas perguntas. E também nem se queixou do cheiro de óleo queimado que o motor do rústico barco exalava. Apesar de sua constante dor de cabeça e da tendência às enxaquecas. João Cabral de Melo Neto  não era um “chato”. Era, sim, um doce de pessoa.

Pelo menos foi essa a impressão que guardei do poeta, naquele inesquecível passeio observando os mangues, os caranguejos, os velhos quintais repletos de fruteiras (hoje não mais), os casarões do Poço da Panela, da Várzea, do Monteiro, de Apipucos. Na minha cabeça, vinha um “rio” de versos, que evocavam seus poemas lembrando as paisagens que percorríamos. Foi inspirada naquele passeio ao seu lado pelo Capibaribe, que – já trabalhando como correspondente de O Globo –  evoquei a presença do Recife em sua obra, quando de sua morte. A partir das 19h da quarta-feira (29), o poeta será homenageado na Passa Disco, ponto de resistência cultural  do Recife, e que é mantido por um dos seus primos, Fábio Cabral de Melo.

E é Fábio quem nos chama para vernissage de exposição inspirada nos poemas de Cabral. Os artistas convidados foram Fernando Duarte (pinturas), Thiago Lucas (pinturas digitais) e Demétrio Albuquerque (esculturas). “São trabalhos inspirados na grandiosa obra do poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto”, informa a Passa Disco. “Cada um dos artistas participantes, com suas linguagens peculiares, tecem reflexões que bebem na fonte de Cabral com sua riqueza de construções imagéticas que perpassam a realidade do ser humano com precisão cirúrgica. A seca, o nordestino, o rio, a pedra, a vida, o ser humano, são algumas das matérias-primas perpassadas pelo olhar meticuloso de João Cabral”, dizem os artistas.

São esses e outros elementos que compuseram o alicerce que edificaram as obras da exposição. “Em tempos difíceis, repletos dos espinhos do autoritarismo e da aridez de intolerância, faz-se necessário que a arte se posicione e atue como um rio que traz um pouco de alívio aplacando a sede daqueles que estão sedentos por liberdade democrática, igualdade e respeito. Lutaremos e resistiremos nessa “vida severina”, que é antes de tudo, aquela vida que é menos vivida que defendida”, completam os artistas. Muito bom. Além do mais, resistir é preciso. E mais do que nunca, a cultura exige resistência nos nebulosos dias de hoje. Vamos?

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Serviço:
Exposição “A Medida do Homem” (100 anos de João Cabral de Melo Neto)
Quando: Abertura no dia 29 de janeiro de 2020, às 19h
Onde: Passa Disco. Rua da Hora, 345 – Espinheiro – Galeria Hora Center.
Contato: (81) 3268-0888

Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Foto: Divulgação / Passa Disco

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