Que tal comemorar os 480 anos do Recife, lendo alguns dos poetas que tanto falaram da nossa cidade? Uma boa dica é o livro Presença Poética do Recife, de Edilberto Coutinho. A data é uma justificativa para lembrar desse precioso volume, que, com tanto carinho guardo em minha estante. E também é oportuna, para se dar uma dica, para que os órgãos oficiais o reeditem. Afinal, pelo que percebo, a nossa cidade está entre aquelas mais cantadas em versos no País. A antologia traz 26 autores, que dedicaram versos ao Recife, tão poético. Mas que, infelizmente, vem perdendo sua memória com a invasão dos espigões que empatam a vista e dominam a paisagem. Entre os poetas presentes na obra, encontram-se Ariano Suassuna, Ascenso Ferreira, Manuel Bandeira, Pedro Ivo, Joaquim Cardoso, Gilberto Freyre, Mauro Mota, Tobias Barreto, Jaci Bezerra, Joaquim Cardoso, João Cabral de Melo, Carlos Pena Filho, Augusto dos Anjos, entre outros.
Vejam que coisa linda, esses versos de Carlos Pena Filho, para ficar em um texto bem popular. “Na Avenida Guararapes / o Recife vai marchando. / O bairro de Santo Antônio/ tanto foi se transformando/ que, agora, às cinco da tarde / mais se assemelha a um festim. / Nas mesas do Bar Savoy / o refrão tem sido assim: / são trinta copos de chope / trinta homens sentados / trezentos desejos presos / trinta mil sonhos frustrados”. Pois nem essa estrofe, incluída no Guia Prático da Cidade do Recife foram suficientes para manter o Savoy e sua história. Cadê nossa memória? E as Cismas do Destino, de Augusto dos Anjos? “Recife. Ponte Buarque Macedo. / Eu, indo em direção à Casa do Agra, / assombrado com minha sombra magra./ Pensava no Destino, e tinha medo!.” Alô, alô, autoridades, alguma placa indicando esses versos, no trajeto do poeta?
Há versos mais atuais, do que os seguintes, de Joaquim Cardoso? “…velhas ruas, / cúmplices das trevas e dos ladrões”. E o saudosismo de Manuel Bandeira, ao qual podemos nos associar? “Mas o Recife sem história nem literatura, / Recife sem mais nada, / Recife da minha infância”. Para lembrar dos nossos velhos telhados, que estão desaparecendo, como ocorre em um bom trecho da Rua da Aurora (e praticamente em toda a cidade), hoje dominada por espigões, vamos lembrar de João Cabral. “Velhos casarões esguios / apertam ombros calcáreos / de cada lado de um rio”. E assim, vilas vão sumindo, como a Vitoriano Palhares, no bairro da Torre, hoje ocupada por um condomínio de prédios, que apagaram por completo o que o encantador lugarejo já foi um dia. Torço para não aconteça o mesmo com a Benjamim Constant, no mesmo bairro, ainda linda, com suas casinhas coloridas, mas que começa a ser dominada, como sempre, pelos espigões.
O Recife é lindo. Mas poderia ser muito mais, se fosse uma cidade bem cuidada, com a dedicação que ela merece. Enfim, todos queremos uma capital mais aprazível e com memória. Porque do jeito que vai, algumas declarações de amor vão virar apenas lembranças. Por exemplo: “Amar mulheres, várias. O Amar cidades, só uma – Recife”, dizia Ledo Ivo. Ariano declarou “casamento” com nossa cidade. “E eu vi que a minha Dama era o Recife”. Também o fez Gilberto Freyre, que andou pelo mundo, mas optou por viver nesse pedacinho do Brasil. Não era difícil saber o porquê: “É uma cidade que prefere namorados / sentimentais a admiradores imediatos. / Seu melhor encanto consiste, mesmo, / em deixar-se conquistar aos poucos”. Viva pois, o Recife, com seus 480 anos. E com seu mar, seu sol, sua história, suas tradições libertárias, sua cultura, seu lindo carnaval. Viva o Recife, sobretudo, pela seu povo. O Recife, gente, merece todo amor do mundo. Vamos nessa?
Texto e fotos: Letícia Lins / #OxeRecife