O Recife tem muitas alcunhas. Algumas delas: Cidade Maurícia, Florença dos Trópicos, Capital dos Naufrágios, Manguetown. E até Veneza Brasileira. Mas de Veneza, o Recife não tem nada, apesar das pontes, rios e canais. O Recife tem, sim, personalidade própria. E muito forte. E tem, também, um encanto especial, que desperta a inspiração de poetas. Estão aí Carlos Pena Filho, Manuel Bandeira, João Cabral de Melo Neto, Ascenso Ferreira, Ariano Suassuna, Gilberto Freyre e muitos outros. Eles dedicaram versos à cidade, que está comemorando 480 anos nesse domingo. Será que há o que comemorar? Afinal, o Recife não é só beleza, e seus problemas cada dia crescem mais.
Do Recife, dizia Gilberto Freyre, que ela “não cresce, incha”. Hoje, em pleno século 21, não pode se dizer mais que a Capital só inchou. A cidade cresceu, ganhou pujança. Tem 1 milhão 617 mil habitantes, está tomada por arranha céus,virou metrópole. E ostenta um PIB per capita que faz dela o segundo melhor Índice de Desenvolvimento Humano do Nordeste. No entanto, as chagas sociais ainda são muito fortes e se ampliaram ao longo de dez anos. Ou seja, a cidade cresceu, mas as feridas do passado se alastraram. Cerca de 60 por cento de sua população reside em morros, outros tantos em palafitas, e apenas 30 por cento dos imóveis têm acesso a saneamento. A cidade é tida como a terceira capital brasileira onde as pessoas gastam mais tempo no trânsito. Além disso, é apontada por especialistas como a oitava mais congestionada do mundo.
Como se isso tudo não bastasse, ao longo de uma década (2005-2015), o Recife perdeu posição em setores estratégicos como educação, saúde, infraestrutura e sustentabilidade. Estudo recente (Desafios da Gestão Municipal), feito pela Macroplan, mostrou como nossa cidade está se degradando, apesar do seu aparente crescimento. E só perde posição. Ao levantar a situação dos cem maiores municípios brasileiros, constatou que o Recife caiu na educação (da 50ª para a 74ª), na infraestrutura e sustentabilidade (da 31ª para a 64ª) e na saúde (da 62ª para a 73ª). O estudo aponta, no entanto, que houve melhora na questão da violência, com nove pontos ganhos. Mas se a análise tivesse sido realizado em 2016 ou em 2017, a cidade teria perdido disparado, também nesse quesito. Com certeza, porque nesse setor, a situação piorou muito a partir de 2015.
Números à parte, não é difícil perceber a nossa decadência. Basta andar pela cidade (comparando-a com outras capitais, como Salvador, por exemplo), para se observar que o nosso Recife, tão lindo, passa por processo avançado de degradação. Não é preciso ir muito longe. Andem pelos nossos parques e praças, para observar como estão abandonados. O centro está todo degradado, com áreas como a Avenida Dantas Barreto que lembram um favelão. A sujeira está em todos os lugares, com lixo acumulado. O Mercado São José, o Pátio de São Pedro e do Terço estão entregues às baratas. Os nossos teatros carecem de conservação e alguns, como o Parque, nem funcionam. Mas como sonhar não custa nada, vamos todos imaginar um Recife assim: com o Rio Capibaribe limpo, com seus canais revitalizados, com as praças e parques verdes, com todos os bairros saneados. Com o Parque Capibaribe contribuindo para humanizar a cidade, com pessoas mais civilizadas, andando mais a pé e de bicicleta. Com boas escolas e serviços de saúde compatíveis com as necessidades da população. E sonhar, sobretudo, com um Recife mais humano, mais cidadão e mais acolhedor do que esse Recife, infelizmente brutal, que a gente observa hoje.
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Texto e fotos: Letícia Lins / #OxeRecife