Cícero Belmar e o livro das personagens esquecidas.

Autor de treze  livros ( romances, contos, biografias) e dez peças de teatro (para crianças e adultos), o também  jornalista Cícero Belmar estará a partir das 19h da quinta-feira (17/3), na Academia Pernambucana de Letras para lançar sua obra mais recente: O livro das Personagens esquecidas. A iniciativa é da Companhia Editora de Pernambuco (Cepe). A publicação reúne 25 contos, nos quais o imortal da APL mistura ficção e realidade, inclusive  com nomes ou fatos bem conhecidos da história do nosso estado. E por que não dizer, do Brasil, do mundo.  Pois no livro aparecem, também, mitos do cinema mundial.

Nos contos, distribuídos em 144 páginas, desfilam personagens que vão de Dom Helder(1909-1999) a Miguel Arraes (1916-2005), de Julião (1915-1999) ao Padre Henrique (1940-1969), de Greta Garbo (1905 a 1990) a Marlene Dietrich (1901-1992). A presença de outros, como Fidel Castro,  fica apenas subentendida na mente do leitor. São pessoas reais, que se foram, mas cuja presença ainda está muito perto de nós. Os  quatro primeiros têm em comum o fato de terem sido perseguidos durante a ditadura implantada no país, em 1964. Dom Hélder permaneceu no Brasil, liderando a luta em defesa dos direitos humanos, mas a simples citação ao seu nome era vetada na imprensa.  Arraes e Julião amargaram décadas de exílio, enquanto o sacerdote foi assassinado pelas forças da repressão. Já Dietrich e Garbo estão eternizadas nas telas do cinema em preto e branco. E no imaginário popular.

Isso não significa, no entanto, que os personagens do livro sejam apenas humanos. Há um personagem que é nada menos que um baobá, árvore nativa da África, que marca presença no Brasil e que mora no coração dos pernambucanos. Cícero escreve sem preocupação histórica, até porque  os contos são ficção. Não têm objetivo de retratar a história real de nossas vidas. A obra, portanto, faz um jogo equilibrado entre realidade e ficção, retrata as múltiplas faces do Brasil. Em suas personagens esquecidas caberiam muitos brasileiros.

Cícero Belmar explorou sua experiência profissional para escrever os contos, que passeiam por questões de natureza política, social, religiosa e urbanística. “Como sou jornalista, tenho um defeito de fábrica, de não criar as histórias a partir de uma ficção. Todas elas têm um pé na realidade. Até mesmo aquela cujo título é Esquecidos por Deus. Essa, eu criei a partir de um caso jornalístico. De um recorte de jornal. Eu invento a partir de elementos do fato jornalístico. Digamos que em cada conto eu usei 50% de realidade. É a minha ‘técnica’ de criação”, declara o escritor. Quando repórter, Cícero Belmar se destacava por dar visibilidade aos esquecidos, a personagens anônimos da noite, aos travestis das boates, aos artistas dos cabarés. Ele começou a vida de jornalista no setor policial, de onde extraiu muitos temas que hoje fazem sua Literatura.

“O livro tem muito de mim. Sou jornalista, fui repórter policial e foi através dessa experiência que virei escritor”, confessa.  E ele se inspira assim: não só na experiência vivida no batente, com sua técnica cada vez mais aprimorada. Mas, também, nos fatos que ouve, que toma conhecimento e até que lê nos jornais. Utiliza, inclusive, uma metodologia antiga nesses tempos de prática digital e realidade virtual. Quando ele passa o olho no “news paper”, pega uma tesoura e guarda as notícias que, pensa, um dia servirão para alimentar sua literatura.

“Faço recorte de jornal, para retirar meus personagens. Para mim, isso é importante na escrita. Sempre parto dos personagens para construir a história, meu processo é esse”, simplifica. “Não resisto ao jornalismo”, explica. As histórias foram escritas ao longo de vários anos, diz ele, entrelaçadas pelo tema do esquecimento e da memória. “Eu levo isso às últimas consequências, como se o fazer literário dependesse da própria memória para ser contada. A memória é prima-irmã da literatura, na minha opinião”, destaca. Nesse cenário, nascem a mulher que vai se desligando da vida por causa de uma doença neurodegenerativa, o comunista que esquece para continuar vivo e um velho casarão derrubado em nome da modernidade.

Dessa vez, os personagens não são tão underground, como os que ele salientava em suas memoráveis reportagens (e também na sua literatura) sobre figuras estigmatizadas pela sociedade. Em Aqueles livros não me iludem mais (sua última obra publicada), já havia explorado bastante o lado sinistro das pessoas incluindo as marginalizadas. “Quero apenas contar histórias que se pareçam com a vida real”, afirma Belmar.  O livro leva a reflexões sobre a vida e o tempo. E como diz o protagonista do conto Dente de Ouro: “Eternidade é uma coisa que ninguém tem prova de que existe. O que existe é um lugar nas nossas lembranças para a gente guardar a história das almas.”  No livro a ser lançado amanhã, Belmar resolveu dar um “respiro”, e trata de temas com mais leveza. Em breve, no entanto, voltará abordando outra figura “marginal” da vida recifense: Lolita(1933-1990) famosa do século passado, que viveu em uma cidade marcada pelo preconceito, e que esteve para o Recife como Madame Satã (1900-1976), para o Rio de Janeiro. Lolita era tão famosa que se dizia, “quem não conhece Lolita não conhece o Recife”. Então, já dá para se imaginar o que vem por aí….

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Serviço
O que: Lançamento de O livro das personagens esquecidas
Quando: 17 de março
Hora: 19h
Local: Academia Pernambucana de Letras (Avenida Rui Barbosa, 1596, Graças)
Preço do livro: R$ 25 (impresso) e R$ 10 (e-book)

Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos:  Carlos Lima / Cepe / Divulgação

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