O Lailson do “Nóis sofre mais nóis goza” e o carnaval da pandemia

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Foi-se o nosso amigo Lailson. Mas uma vítima da pandemia, que no carnaval de 2020 ainda era assunto de piada, fantasia (foto acima) e ironia. “Uma coisa da China”.  Vez por outra, eu encontrava o chargista caminhado pelas ruas de Casa Forte, em minhas andanças matinais. Não só eu como todos os amigos, não entendiam a sua determinação em não usar máscara nem em se vacinar contra a Covid-19. Lailson foi muitas coisas: chargista, humorista, curador, músico, colaborador de vários jornais, organizador de salões de humor. Mas para nós, que gostávamos tanto de carnaval, ele era mais do que isso: era o ilustrador das camisetas da troça Nóis Sofre Mais Nóis Goza, algumas memoráveis e que esgotavam mal chegavam à rua.

Em 2020, ironicamente ele fez uma piada com o coronavírus. Naquele fevereiro, a pandemia ainda andava longe do Brasil, pelo menos oficialmente. Mas já era notícia na China. Enquanto o Brasil se esbaldava no frevo, no maracatu e no samba, lá fora a tragédia já anunciava que suas proporções gigantescas estavam por vir. Cheguei a comentar com Tarcísio Pereira, coordenador da troça, que não achava que o tema por Lailson utilizado servisse de piada. Mas infelizmente, já estava feito. E as camisetas foram assim para a rua, vendendo do mesmo jeito. A assombrosa tragédia sanitária, no entanto, levaria Tarcísio. E, agora, Lailson. Ele não era muito carnavalesco, mas normalmente comparecia à saída do Nóis sofre, algumas vezes até para ser homenageado ou participar da comissão julgadora do concurso de fantasias, que durante longo tempo era uma das atrações no dia do desfile da troça. Lembro de algumas de suas ilustrações memoráveis.

Normalmente, nos tempos da Livro 7, alguns amigos – eu inclusive –  costumavam se reunir para achar o “mote” do carnaval. E as criações de Lailson eram sempre muito políticas. Até porque a sátira e a resistência eram as marcas da agremiação. Um de seus trabalhos chegou a ser capa do livreto “Nóis sofre mais nóis goza, a revolução da gandaia”. Participei da publicação contando a história da agremiação, que  acompanhei desde o início.  E vários poetas – Antônio de Campos, Arnaldo Tobias, Alberto Cunha Melo, Jaci Bezerra, Juhareiz Correya, José Mario Rodrigues, entre outros – cederam poemas para a publicação. A capa era de Lailson, justamente a ilustração da camiseta em 1982 (foto abaixo)

Ele desenhou um homem faminto, com garfo e faca, correndo atrás do então Ministro da Fazenda, Delfim Neto. Na ditadura, a equipe econômica dizia  que “o país vai bem, mas o povo vai mal”. A situação agora está pior porque, infelizmente, tudo está mal. O tema ainda é muito atual, em pleno 2021, tantos anos depois.  Pois se a coisa continuar como está, bastava repetir a charge e trocar a cara e a fantasia (de Carmem Miranda) de Delfim Neto.  Ou seja, botava-se a cara de Paulo Guedes, porém com a fantasia de palhaço, não é não? Pelos motivos que todo mundo sabe.  E também porque a fome voltou, com toda força. E o país e sua população estão mais pobres. Outra criação icônica foi sobre a redemocratização do Brasil, quando após a ditadura, a Nação sonhava em ter um país livre dos milicos e foi às ruas na campanha pelas diretas já.

Com a derrota da campanha pelas diretas já no Congresso Nacional, a Nação terminou apostando em uma eleição indireta, encabeçada por Tancredo Neves, que  não chegou a assumir, devido à enfermidade que o levaria à morte, mesmo antes da posse. Desde então, nós, que vivemos aqueles tempos obscuros, pensamos que “ditadura nunca mais” e “tortura nunca mais”. Nóis sofre mais nóis goza era uma válvula de escape contra todo o obscurantismo. E Lailson, melhor do que ninguém, soube interpretar muito bem esse anseio. As camisetas de 1985 esgotaram  rapidamente, porque – como quase todas – elas eram a nossa história. “Tancredo Neves” arrastava a troça, segurando o estandarte, seguido por “Fafá de Belém”, uma das musas das Diretas já, e que  então encerrava os comícios da campanha cantando o Hino Nacional.

Na ilustração, ao lado de” Tancredo” e “Fafá”, aparecem os principais ministros do último governo militar. Eles exibiam chutes (do povo) nos seus respectivos traseiros. Achei o desenho tão simbólico e tão histórico, que coloquei-o em uma moldura e o conservo, ainda hoje, em uma das paredes de minha casa.  Em 2020, enquanto a pandemia começava a se espalhar na China, Lailson decidiu ironizar a doença mostrando um chinês se banhando em um chuveiro cuja marca já foi bem popular: Corona, o mesmo nome do vírus. De repente, quem sabe, o “corona” tinha também o sentido de apagar o “fogo” do frevo, durante os dias de folia. Infelizmente, com o gigantismo da pandemia, nosso amigo preferiu adotar postura negacionista. Orgulhava-se de não usar máscara e de não ter se vacinado. Os amigos, mesmo os mais chegados, jamais entenderam isso. Quem sabe se tivesse seguido as regras ainda estivesse vivo, divertindo-se e nos divertindo.  Em janeiro de 2021, no auge da pandemia, a Covid-19 já levara Tarcísio Pereira, da Livro 7, e do Nóis Sofre.  Em 2021, após a morte de Tarcísio, minha filha Juliana solicitou a Lailson que rendesse uma homenagem ao  pai dela, como folião. Produzida para colecionadores, foi a última ilustração feita pelo artista  para eternizar o Nóis sofre mais nóis goza e o amigo de tantos carnavais. Daquela vez, a ilustração foi feita a pedido da família.

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Nóis sofre mais nóis goza é só folia
Nóis Sofre Mais Nóis Goza
Azul e rosa na folia dos laranjais
Menino veste azul e menina veste rosa?
Nóis sofre ironiza a ratoeira 
Frevo com Beethoven no Nóis Sofre 
Violino no Nóis Sofre Mais Nóis Goza
Ral, autor dessa charge, conta com você

Texto e fotos: Letícia Lins / #OxeRecife

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