“Na paisagem do rio / difícil é saber / onde começa o rio; / onde a lama / começa do rio; onde a terra começa da lama”. Pobre Rio Capibaribe. Escritos entre 1949 e 1950, esses versos de João Cabral de Melo Neto (1920 -1999) provavelmente inspirariam hoje o poeta de outra forma. Ele teria que incluir na “lama”, as nuvens de plástico branco que tomam o nosso “Cão sem Plumas” daqueles versos. No último domingo, estive no Jardim do Baobá com meu querido neto Henrique. E, de lá, decidimos dar um passeio de “baobarco”, como são chamadas as rústicas embarcações disponíveis no píer do local para pequenas pelo rio que tanta identidade dá ao Recife.
Fiquei pensando o que diria, hoje, o poeta, ao ver o Capibaribe na situação em que se encontra. A lama negra que é a cor da terra do manguezal está lá. Mas hoje já não se restringe aos materiais orgânicos liberados pelos pés de mangues que alimentas a fauna do rio. A vegetação resiste à agressão de despejos de esgoto doméstico (e também industrial) com muita resiliência. Pois mostra – apesar de tudo – uma certa exuberância, inclusive suas tão verdes folhas. O problema é que, além das montanhas de efluentes que o Capibaribe recebe, os manguezais estão cheios de “penduricalhos”, como se fossem “árvores de natal”. Porém, os penduricalhos são lixo, sacos plásticos, garrafas enganchadas em suas folhagens.
Ou seja, uma verdadeira tristeza. Confesso que me senti envergonhada diante do meu neto. Vergonha por mim, pelo descuido com a natureza, pela indiferença de nossas autoridades com aquele patrimônio de Pernambuco. E sobretudo porque aquele patrimônio, também é do Recife. Porque se ele seca em parte do Agreste durante as estiagens, passa caudaloso e é perene na capital. Quando era limpo, milhares de pessoas sobreviviam dos peixes, dos chiés, dos siris e ostras que pescavam. Hoje, a pesca está mais escassa e ficando até mesmo rara. Convidei o neto para o passeio e o que vimos foi uma cobertura branca e desbotada que me lembrou as agressões que se observa em São Paulo, no Rio Tietê, cujas águas estavam brancas, nesta semana, cobertas por uma espuma poluente. No caso do Recife, o branco vem de nuvens de plásticos pendurados nos manguezais. Se a situação já era crítica, piorou com a enchente do final de maio e início de julho. Como o rio subiu vários metros, os resíduos ficaram presos às folhagens da vegetação, quando baixou o nível da maré.
Sinceramente, já se passou um mês, e até o momento não foi feita nenhuma operação de limpeza por parte da Prefeitura, via Autarquia de Limpeza Urbana e Manutenção do Recife (Emlurb). Do mesmo jeito que as ruas precisaram de dose extra de trabalho para que fosse recolhido todo o lixo trazido pela enxurrada, o Rio Capibaribe também está a exigir uma faxina.
É claro que o que ele precisa, mesmo, é ser despoluído, o que demandará um longo tempo e montanhas dinheiro. Mas sobretudo vontade política, que parece faltar às nossas lideranças. Caso contrário, o nosso rio não estaria como está. Enquanto faltar saneamento ele estará tomado por dejetos que já eliminaram boa parte de sua fauna. Agora, se isso não é feito, custa nada recolher o excesso de resíduos que ficaram às suas margens devido à enchente? Até porque esses “enfeites” de plástico vão descambar no oceano. Pelo que se vê, no Recife parece que ficou supérfluo cuidar da natureza. Lembro-me de uma ex-professora, dos meus tempos de colégio que, quando criança, morava no Poço da Panela, e costumava tomar banho de rio com os primos. Ela recorda que “a areia das margens era branquinha como a da praia” e que a água do Capibaribe era “cristalina”. Nesta semana, vi no noticiário de Tv, turistas e franceses curtindo a “praia” do Rio Sena, em Paris. O rio foi despoluído e virou mais um ponto de lazer para a população e visitantes. Tenho que confessar que fiquei morrendo de inveja…. Porque, em nossa cidade, é difícil saber quando isso poderá acontecer.
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Texto e fotos: Letícia Lins / #OxeRecife