Fundadora do Movimento Negro em Pernambuco – e detentora de biblioteca especializada na herança afro – Inaldete Pinheiro acaba de reunir amigos, militantes e povos de axé, na festa de lançamento do seu livro de poemas Travessias, no qual ela conta, em versos, boa parte de suas memórias e trajetória. Desde os tempos da infância (no Rio Grande do Norte), passando pelos 50 anos da chegada ao Recife e pelas 40 décadas da criação do Movimento Negro do Recife.
A noite de autógrafos, no Hotel Central, teve de tudo um pouco: de batuque de maracatu a recital. O livro é dividido em cinco partes: Ruas de Ébano, Poemas Vividos, Poemas de Amor e Luta, NegrAção, e Apartheid, não. Ruas de Ébano traz 16 poemas, alguns com sabor de nostalgia, dos tempos vividos em Parnamirim (RN), quando relata a infância, os riachos, as fruteiras generosas,o povo da rua, as brincadeiras com barquinhos de papel, as saias rodadas da época, os pregões dos vendedores. o apito do trem. Em Poemas Vividos, já saltam os Cantos de liberdade e temas como os maracatus, as senzalas, os pelourinhos, a negação e a reafirmação/ ratificação da negritude, como em Descoberta. Que começa assim:
“Meu cabelo é ruim/Não faço o penteado que quero / No vento não voa/ Na água não molha / Êta, cabelo pichaim”.
Na penúltima estrofe, ela reclama: “Tudo isto me perturbava/ Fugia a todas essas questões /E muitas outras eu não aceitava/ Me sentia inferior, diferente/ E me negava, e me negava…” Mas o poema é concluído com outro discurso, em que se ratifica o orgulho pela negritude:
“Sou negra, sim, já não nego / Realço todas as formas externas / Do meu corpo negro/ Hoje sei que fui o tampão/ Da violência racista / Que separa os homens da terra”.
Os Poemas Vividos incluem, ainda, homenagem a Martin Luther King (“Uma bendita bala do ódio/ Calou sua voz em Memphis / E a paz ainda não chegou/ Recife, março 81/ No aniversário de sua morte). Em seguida, vêm os Poemas de Amor e Luta (“Porque amo a verdade / Porque amo a liberdade”).
Já em NegrAção, ela discorre sobre o axé, a dança, a mãe negra, o tambor, o maracatu, a melanina “do meu bem querer”, o sangue da liberdade, e NegrAção (“Apesar do suor da labuta/ Apesar da linguagem recriada/ Apesar da louvação dos orixás / Apesar do colorido que deste à vida/ Apesar de tudo que criaste / Continuas oprimido, neguinho, no Brasil /Cercado pela ditadura coletiva/ E apesar de tudo/ Caminhas pelas ruas de ébano/ Enegrecendo mais este país”). A última parte, Apartheid, não, traz poemas que lembram a luta não só no Brasil, mas em outros países, com homenagem a pessoas que se destacaram seja na luta contra o racismo, contra o apartheid ou no esforço pela reafirmação da cultura negra. Entre eles: Nelson Mandela (1918-1913), Desmond Tutu (88 anos), e os pernambucanos Dona Santa (1877-1962) e Luís de França (1901-1997), que dedicaram suas vidas a reafirmar a cultura afro, com seus maracatus.
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Texto e foto: Letícia Lins / #OxeRecife