Há exatamente meio século, o agrônomo e ambientalista pernambucano João Vasconcelos Sobrinho fazia uma advertência às autoridades. Sem meias palavras, anunciou: “O Rio São Francisco está secando”. Foi um escândalo. No dia 7 de junho de 1971, ele dizia inclusive que, como muitos outros rios nordestinos, o Velho Chico poderia passar da condição de permanente a temporário. E estava certo. Um novo estudo do MapBiomas, feito a partir da análise de imagens de satélite, mostra que o Rio São Francisco perdeu 10% de superfície de água em apenas 15 anos.
Ou seja, um problemão, principalmente para as populações que muito dele dependem sobretudo na na região da caatinga, periodicamente atacada por estiagens prolongadas. A profecia de Vasconcelos Sobrinho e a percepção de muitos ribeirinhos e de comunidades que vivem ao redor de sua foz acaba de ser confirmada pelos satélites. A análise das imagens entre 1985 e 2020 feita pela equipe do MapBiomas constatou que a redução coincide com expansão agrícola. A tendência de decréscimo foi notada especialmente na margem esquerda, onde ficam as regiões de fronteiras agrícolas. “O maior consumo de água pela agropecuária, combinado ao assoreamento da calha do rio devido a fortes intervenções e períodos de seca típicos da região por onde o rio passa, enfraqueceu o Rio São Francisco”, informa o MapBiomas.
A análise integra o MapBiomas Água, plataforma de dados aberta ao público a partir de 23 de agosto com informações detalhadas sobre a superfície que a água ocupa do território nacional ao longo dos últimos 36 anos. Em âmbito nacional, a perda foi ainda maior , com redução de 15,7 por cento no mesmo período. A superfície coberta por água do Brasil em 2020 era de 16,6 milhões de hectares, uma área equivalente ao estado do Acre ou quase 4 vezes o estado do Rio de Janeiro. Desde 1991, quando chegou a 19,7 milhões de hectares, houve uma redução de 15,7% da superfície de água no país. A perda de 3,1 milhões de hectares em 30 anos equivale a mais de uma vez e meia a superfície de água de toda região Nordeste em 2020. “Os dados indicam uma clara tendência de perda de superfície de água em 8 das 12 regiões hidrográficas e todos os biomas do País”, adverte o MapBiomas.
Coordenador do GT de Água do MapBiomas, Carlos Souza aponta mudanças no uso e cobertura da terra, construção de barragens e de hidrelétricas, poluição e uso excessivo dos recursos hídricos para a produção de bens e serviços, que alteraram a qualidade e disponibilidade da água em todos os biomas brasileiros. “Ao mesmo tempo, secas extremas e inundações associadas às mudanças climáticas aumentaram a pressão sobre os corpos hídricos e ecossistemas aquáticos”, explica. “Se não implantarmos a gestão e uso sustentável dos recursos hídricos considerando as diferentes características regionais e os efeitos interconectados com o uso da terra e as mudanças climáticas, será impossível alcançar as metas de desenvolvimento sustentável”, alerta.
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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Foto: Codevasf e Agrovale /Acervo #OxeRecife