Todo mundo sabe que a gastronomia do Pará é muito apreciada, principalmente por turistas do Sul ou mesmo do Nordeste, que desconhecem sabores como o tacacá, o pato ao tucupi, o peixe filhote e o uso do jambu, folha muito apreciada e presente na maioria dos pratos naquele estado. E alguns destes são gratas surpresas, principalmente quando se trata de pescado. Uma vez, estava com meu amigo Fernando Batista em uma praia naquele estado, quando pedimos um cozido de peixe. Nós nos assustamos com a aparência: um pirão branco feito com peixe e umas cebolas boiando na cumbuca nos causaram uma péssima impressão inicial.
“Parece uma lavagem”, comparou meu companheiro de viagem, criticando a aparência da comida, que lembrava aquela com que os pequenos criadores alimentam os bichos do chiqueiro. Confesso que, como ele, minha expectativa era a pior possível com a refeição de cor tão desbotada, servida em barraca popular. Mas… como as aparências enganam. Quando colocamos a primeira garfada na boca, descobrimos que o almoço era uma delícia tão grande, que se tornou para nós um sabor inesquecível. Tão inesquecível que pedi a receita da “feia” iguaria à cozinheira. Porém nunca me aventurei a tentar. Agora, quem quiser mergulhar nos segredos e temperos do Pará pode ir mais longe, conhecendo a comida paraense sem sofisticação, desvendando a cozinha nativa, em opções que vão da puqueca de gó ao sarnabi, do simples peixe cozido ao assado, da ostra ao marisco. Pode até meter a cara sem medo na cozinha.
É que no mês em que se comemora o Dia da Amazônia (5 de setembro), o público vai ganhar o livro de receitas Cozinha da Maré, que é uma ação da campanha Mães do Mangue. A iniciativa é das organizações Rare, Purpose, Associações dos Usuários das Reservas Extrativistas Marinhas e Costeiras (AUREMs) e Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas Costeiras e Marinhas (Confrem). O livro busca contar as histórias de vida de mulheres marisqueiras e sua relação com o ecossistema tão importante para a sobrevivência de mares e rios. A publicação traz receitas de 24 pratos e bebidas, depoimentos e histórias que formam um acervo único do patrimônio alimentar da região e da memória afetiva das mulheres extrativistas.
O livro é um convite para conhecer receitas originárias dos manguezais da costa amazônica paraense, em uma imersão pelos sabores e produtos dos manguezais. Para reunir toda essa diversidade gastronômica e cultural, a produção percorreu doze Reservas Extrativistas da costa amazônica, no Pará, para mostrar o protagonismo das mulheres e de suas famílias na proteção e conservação desses territórios paraenses, que possuem a maior área contínua deste ecossistema de todo o planeta. Ali, trabalham e vivem 224 mil pescadores, o que representa 25% dos pescadores do país. Destes, 95 mil são mulheres, o que torna o estado com o maior número de trabalhadoras na pesca, de acordo com dados do Registro Geral da Pesca (RGP – 2012), do então Ministério da Pesca e Aquicultura.
A curadoria busca representar os ecossistemas que estão interligados aos manguezais, um encontro entre os rios, marés e mangues. Ostra, sarnambi, camarão, mariscada, sopas, peixes assado e cozido e “puqueca de gó” estão entre as receitas do livro. “Sabemos que cozinhar o que se pesca, o que se planta, alimentar a família com o esforço dessa atividade, dividir o alimento com o vizinho, lembrar das receitas das avós, tudo isso faz parte da Cozinha da Maré. O segredo de cada um desses pratos está, sobretudo, no amor e na conexão entre o alimento e a natureza”, explica Sandra Regina Pereira Gonçalves, 51 anos, primeira secretária da Associação dos Usuários da Resex Mãe Grande do Curuçá (Auremag), no município de Curuçá, que fica a 142 quilômetros de Belém. O Cozinha da Maré estará disponível em formato e-book a partir do dia 5 de setembro através do site https://maesdomangue.com.br.
Leia também
Animais voltam à natureza na Amazônia
Dia da Árvore: a Vovó do Tapajós
No Dia da Amazônia, viva à natureza
“Já me falta ar para falar das florestas”
#JuntospelaBiodiversidade
É verdade que a piranga é afrodisíaca?
Por um milhão de árvores na Amazônia
Rio Tapajós ganha abraço e árvores
Araras são repatriadas para a Amazônia
Longe dos ataques verbais de Brasília, Nordeste e Amazônia se entendem
O barco xará que achei em Santarém
Parem de derrubar árvores (no Pará)
As festas dos ipês no Recife e no Pará
Intimidade com a natureza em Alter do Chão
A sede no “mar” de água doce
Santarém além do Rio Tapajós
O sobe e desce do Rio Tapajó
Dia Mundial de Áreas Úmidas passa em branco no Recife
Baderna com carnaval ecológico
Tartarugas voltam ao rio no Pará
Peixes contaminados com mercúrio
“Amazônia pode virar um cerrado”
Resíduos deixados no manguezal são como garrote na veia
Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Matheus Almeida / Divulgação