Livro mostra o Recife que se “esconde”

Gilberto Freyre  dizia que o  Recife “não se mostra”, “não se exibe”, “esconde-se até”.  E esconde-se mesmo. Que o diga o Juiz Francisco de Barros Silva. Ele é fotógrafo amador e apaixonado pela cidade. Por esse motivo,  o #OxeRecife o homenageia nesse sábado, quando a mais antiga capital do Brasil completa 485 anos. É que Francisco acaba de brindar a data com uma preciosidade: o livro Recife: Arruar, através do qual mostra justamente o lado não tanto observado pela população apressada, em meio à  habitual agitação do século 21.  O livro “passeia” por vários séculos, através  das torres ou portais de igrejas,  das estátuas,  dos casarões. Mostra  detalhes de azulejos, pontes, fortalezas. E também descortina paisagens poéticas, que se revelam através das luzes do entardecer sobre as pontes, o Rio Capibaribe, os velhos telhados.

As fotografias, 126 ao todo, resultam de “andanças”, conforme explica o juiz, que aprendeu a admirar o Recife ainda criança, quando saía a pé com a mãe do bairro da Boa Vista até o “centro da cidade”, como se dizia naquela época, para comprar livros e material escolar. “O percurso começava pela Praça Chora Menino, seguindo pela Avenida Manoel Borba, Praça Maciel Pinheiro, Rua da Imperatriz, Ponte da Boa Vista, Pracinha do Diário e Rua Duque de Caxias, onde funcionava a maior parte das livrarias”. Ele lembra que tudo lhe parecia gigantesco na infância: “os leões talhados em pedra, a estrutura metálica das ponte, as torres das igrejas, o Capibaribe, as estantes repletas de livros”.

 

Adulto e já advogado, volta ao “centro”, para trabalhar. O serviço exige deslocamentos a pé por bairros como Santo Antônio, São José, Recife Antigo, Boa Vista.  Desses roteiros, guarda muitas lembranças. “Se fechar os olhos, vejo com exatidão fachada de azulejos portugueses”, diz, referindo-se ao escritório onde trabalhava, na Rua do Giriquiti.  “A cidade nos habita, tanto ou mais quanto a habitamos”, afirma.

E diz que o vaivém pela cidade traz experiências distintas, como – aliás – deve ser o olhar de um bom fotógrafo. “O que vemos na ida não é o mesmo que nos atrai na volta”. Nas andanças, ele foi documentando o que lhe chamava a atenção e que, muitas vezes, as pessoas nem sequer percebem. “Pequenos tesouros vão se revelando em detalhes do seu casario, nas palavras guardadas em placas e nas paredes, nas obras de arte expostas a um público que, por vezes, segue apressado demais para vê-las”. As fotos foram realizadas de 2017 a 2021, com um Iphone 7, durante andanças, caminhadas. “Não uso câmera fotográfica”, diz ele. Até porque, como vocês verão adiante, foi o Recife que o trouxe para a fotografia.

 

” O Recife possui paisagens magníficas, que mesmo em um breve passeio de carro podem ser degustadas. Mas há também esse outro lado meio “escondido” da cidade”, ressalta. “O gosto pelos detalhes vem do sentimento de ser surpreendido por algo que até então passava despercebido e que, de repente, foi “descoberto” por um olhar menos apressado”. Agora vejam que coisa interessante. Não foi a fotografia que levou Francisco para o Recife, mas a cidade que o levou à necessidade de documentar  um Recife que nem todas as pessoas percebem.

Rio Capibaribe, Pontes Duarte Coelho e da Boa Vista (em segundo plano)

Diz ele:

“A fotografia não foi algo presente na minha vida ou na minha formação. O Recife, sim. Caminho pelas suas ruas desde sempre e, com o avanço da tecnologia, percebi que tinha no bolso algo capaz de registrar esses momentos de improviso”.

Muito, mas muito bacana mesmo. O livro está lindo. Mas como lembra o juiz  e fotógrafo, de olhar tão poético, é “res extra commercium, como diríamos na Faculdade de Direito”. Ou seja, não está à venda, o que vai deixar muita gente triste. Ele bancou a edição, com a qual presenteou alguns amigos.

Arruar mostra detalhes dos velhos casarões e edifícios do Recife que passam despercebidos na pressa do cotidiano.

Uma forma de mostrar às pessoas, muitas vezes, um Recife que elas desconhecem. Além de bairros do Centro, há fotografias de outros da cidade, como Poço da Panela, Caxangá, Tamarineira, Graças, Santo Amaro, Apipucos. Fica aí a dica para a Companhia Editora de Pernambuco (Cepe). Pois a publicação, com programação visual de Juliana Dias, é daquelas que qualquer amante do Recife (e dos livros) gostaria de manter na estante.  Eu, inclusive.

Veja a galeria de fotos:

Sobre as fotos que não constam na galeria acima  e que estão sem identificação,  são as seguintes: fachada de prédio no centro do Recife (foto superior); juiz fotógrafo junto a uma parede com azulejaria antiga em imóvel localizado na Boa Vista; e janelão no Poço da Panela, Zona Norte da Capital. Abaixo, você confere informações sobre outros trabalhos fotográficos no Recife e postagens sobre a cidade.

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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Francisco de Barros e Silva / Recife: Arruar

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3 comments

  1. Fotos de alguém que conhece bem a cidade,suas peculiaridades e seus mistérios. Roteiro da cidade com um olhar afetivo,encantamento e empatia.
    Me identifico bastante com todo o percurso das ruas,pontes e becos vivenciais feito pelo juiz.
    E o texto está ótimo, Letícia!

    1. Leonardo, não tem onde adquirir. Eles fez uma edição e distribuiu com os colegas de trabalho. O livro está lindo. Uma pena que as pessoas não possam comprar. Quem sabe a Cepe se interessa?

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