Duas costureiras, e dois maridos: um cangaceiro e um gay

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Estava com A Costureira e o Cangaceiro, de Frances de Pontes Peebles, há algum tempo na estante. Era um daqueles que eu coloquei na fila para ler, e fui adiando. Até que vi em algum jornal, que Breno Silveira estava em Pernambuco, filmando a saga das irmãs Luzia e Emília, ambientada no agreste, no sertão e no Recife do início do século passado. Órfãs de mãe, foram criadas por uma tia, que ensinou as duas a costurar. Faziam de tudo: de mortalha de defunto a roupas para as mulheres dos coronéis do interior. Luzia, a mais nova, era apelidada de Vitrola, porque tinha um defeito no braço (lembram do suporte de agulhas, para rodar os antigos LPs?). Emília, ambiciosa, sonhava em deixar a caatinga, morar no Recife e usar roupas daquelas que via nas revistas dos patrões.

Luzia é sequestrada por Falcão, chefe de um grupo de cangaceiros e adere ao bando e à causa. Emília encontra um pretendente recifense,  filho de um homem politicamente influente, que tinha um grande “amigo” no interior. Rico, ele era tudo que ela sonhou para marido. Só que o noivo a usou como pretexto para reafirmar sua masculinidade, diante de uma sociedade preconceituosa da era Getúlio Vargas. Na verdade, ele era gay.  Mas o assunto é tratado de uma forma tão delicada, quanto delicada era essa situação na época. De início, o leitor vai desconfiando das verdadeiras intenções do rapaz. O seu pai estudava o crânio dos cangaceiros, para identificar as tendências criminosas da população. Pretendia estudar o de Luzia, conhecida como a Costureira no sertão. Já Luzia, no meio de um bando de cangaceiros, termina se apaixonando por Falcão, o líder do grupo. Passa a ser tão respeitada pelos seus “soldados” que é chamada de mãe. Aprende com Falcão a estratégia de guerra, a atirar, a enfrentar os espinhos da caatinga. Costura e borda para o bando, inclusive seus bornais, enquanto a irmã, Emília instala um ateliê de costura e faz moda no Recife. Na caatinga, Luzia sofre abortos espontâneos, mas consegue parir o terceiro “bucho”.

A escritora mora nos Estados Unidos, mas cresceu em Taquaritinga do Norte, no Agreste de Pernambuco. É ali que ela tem, ainda hoje, um sítio, no qual passa as férias. Foi ali que ouviu as histórias do cangaço que as tias Luzia e Emília lhe contavam, e as quais ela prestou homenagem, denominando suas personagens. O livro mostra a metamorfose que Emília sofreu – de matuta a dama da sociedade, cuja elegância era copiada   pelas mulheres bem nascidas. E como o seu sonho de ser feliz se desfaz com um marido indiferente na cama. E também conta como Luzia, uma menina ingênua, vira uma mulher violenta e que acha que o cangaço terá como impedir a passagem das forças de Getúlio Vargas, o presidente que a família recifense de Emília, tinha como ídolo. O romance é uma ficção. Mas muitos dos seus personagens são inspirados em pessoas reais. E é situado em um contexto histórico e social, que realmente aconteceu.

Peebles deu uma de mestra, ao reconstituir desde a paisagem e o alimento do homem da caatinga, até a indumentária, os costumes e o contexto social e político da época. Tanto no sertão, quanto na capital. O livro é um primor.  Espero que o filme de Breno também o seja. Há cenas marcantes, como o momento em que Luzia manda a mulher de um coronel abraçar um mandacaru. Ou a do pânico no cinema, no sertão, quando ela vê a irmã, na tela, com o filho de Luzia, saudando Getúlio Vargas. Indignada, atira no projetor, seus comparsas nas pessoas, e aí ela perde a admiração até daqueles que eram seus “coiteiros”,  como o médico Eronides, que viabilizou a entrega de Expedito para Emília criar. Expedito, filho de Luzia, não tinha como seguir a mãe na caatinga. E a tia tinha medo que sua família burguesa do Recife descobrisse o parentesco.  Então, ficou assim: Degas, o marido, que sabia de tudo a respeito da origem da mulher e de sua irmã bandoleira, escondia esse segredo dos país. Em troca, Emília, não dizia a eles que Degas era gay. O desfecho da história não vou contar. Leiam o livro. É bom. Espero que o filme também seja.

Texto e fotos: Letícia Lins / #OxeRecife

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2 comments

  1. Nossa vc é genial!!! Não conhevia seu blog parei aqui pela matéria de Belmar! Mas to viajando nos assuntos da cidade! Me trans portei para Recife! Bjs belo trabalho!
    Paty Cassemiro , aqui de Barcelina

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