Uma vez entrevistei um jovem do sistema prisional de Pernambuco, que cumpria parte da pena cuidando da sementeira da Prefeitura do Recife, que funciona no Sítio Trindade, em Casa Amarela, Zona Norte da capital. Ele me confidenciou que as plantas mudaram a sua visão sobre a importância da arborização na cidade e também o seu comportamento. Antes, tinha mania de destruir mudas de árvores que encontrava pelas calçadas, praças e jardins. Tudo que via no seu caminho. Mas mudou de atitude com o trabalho. Passou a gostar das flores, das plantas decorativas, das árvores frutíferas. Enfim, aprendeu o amor à natureza e a descobrir, nela, um novo sentido para a sua vida. Quem sabe o contato com a cultura não estimula, também, mudanças naqueles que – enquanto cumprem penas- estão cuidando de museus?
Afinal, cultura não é só identidade de um povo, mas o melhor caminho trilhado por populações vulneráveis para atingir a cidadania. No Agreste, reeducandos (do regime aberto e em livramento condicional) estão reforçando limpeza e ajudado na conservação de oito museus. São estes: Museu do Forró Luiz Gonzaga; Museu do Barro Espaço Zé Caboclo; Museu da Fábrica de Caroá; Memorial da Cidade de Caruaru; Museu do Cordel Olegário Fernandes; Casa da Cultura José Condé; Casa-Museu Mestre Vitalino; e Memorial Mestre Galdino. Todos ficam na cidade de Caruaru, localizada a 130 quilômetros do Recife. O grupo (que é acompanhado pelo Patronato Penitenciário, órgão da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos), faz parte da equipe da Fundação de Cultura de Caruaru. Os reeducandos e reeducandas realizam limpeza da área externa, como capinação e recolhimento de entulhos.
Também atuam na realocação de mobiliário e na montagem e desmontagem de algumas exposições com peças em vidro e ferro. “A contratação de mão de obra carcerária contribui diretamente para a redução dos índices de violência. Eles exercem atividades diversas em ruas, praças e nos equipamentos culturais, como os museus, dando apoio significativo para a conservação dos acervos”, destaca o secretário de Justiça e Direitos Humanos, Pedro Eurico. Uma das pessoas beneficiadas pelo modelo é R. L. S. Ela está no regime aberto e trabalha na Fundação de Cultura de Caruaru há três anos.
“Gosto do que faço, porque sei que estou voltando para a sociedade, e o ambiente de trabalho nos museus é lindo!”, diz satisfeita R.L.S (foto vertical, limpando moldura, com retrato do Mestre Vitalino). Em Olinda, uma exposição de Presépios ocupa uma sala no primeiro andar do Museu de Arte Sacra de Pernambuco (Maspe). Para os que não sabem, o espaço não está só carregado de significado religioso, mas também de cidadania e caráter social. A mostra foi montada por um religioso com a ajuda de técnicos de Zeladoria e Conservação do local. Mas eles contaram com o apoio de dois reeducandos que exercem atividades no museu, em busca da ressocialização. Renato e Renê são irmãos, cumprem pena no regime aberto, e também são acompanhados pelo Patronato Penitenciário, órgão da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (SJDH). Eles trabalham através de convênio com a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe).
Renê, 30 anos, está há três no museu. “Ajudei a montar a exposição dos presépios e me sinto bem aqui. Não gosto muito de falar do passado, prefiro daqui para frente, e o que quero para minha vida é continuar trabalhando”, diz. Ele até foi homenageado com o nome na ficha técnica de funcionários do equipamento cultural. Já o irmão chegou no museu em agosto deste ano, mas já se sente bem acolhido. “É um ambiente familiar em que as pessoas nos tratam como todo mundo. O que eu espero é que a sociedade olhe para gente com outros olhos, porque nós somos seres humanos e o ser humano erra”, reflete Renato.
Além da exposição de presépios, os dois reeducandos também ajudaram na instalação e montagem de As Marias de Pernambuco, que mostra 30 representações de Nossa Senhora em diversos momentos da história. As duas exposições ficarão em cartaz no Maspe durante todo o mês de dezembro. A qualificação profissional das Pessoas Privadas de Liberdade (PPL´s) e a ampliação de escolas nas unidades prisionais são preocupações das autoridades, pois sem educação e trabalho, a ressocialização não é fácil. Os dois assuntos foram discutidas durante a 3ª Reunião do Comitê do Sistema Prisional online, nesta sexta-feira, 03/12. Representantes da Superintendência de Capacitação e Ressocialização da Seres citaram a formação de reeducandos, em nível superior, nos cursos de RH e Marketing Digital no Presídio de Igarassu (PIG). Os formandos foram os primeiros do sistema penitenciário pernambucano a concluir curso superior. Durante o encontro, foram anunciados 2.500 cursos de qualificação no primeiro semestre do próximo ano, através do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) em diversas áreas. Atualmente 22 das23 unidades prisionais do estado dispõem de escolas. Quem quer mudar, é só estudar.
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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Divulgação / SJDH