“O Caranguejo em frente à Assembleia Legislativa era um lugar de referência identitária do Recife. Lugar vivo, pulsante, cheio de memória, afetos e ação”, afirma a historiadora Rita de Cássia Barbosa de Araújo, da Fundação Joaquim Nabuco. “Retirá-lo do local, sem – ao menos – fazer uma consulta pública é, no meu entendimento, uma tentativa de apagamento da memória praticada pela atual gestão municipal”.
Lugar vivo e pulsante, sim. Além de instagramável, o crustáceo gigante tem tudo a ver com o Recife, com seus rios, com seus mangues, com Josué de Castro, com a manguetown, com o manguebeat. Sob suas patas, já ocorreram noitadas memoráveis, com o Som na Rural, comandado pelo agitador cultural Roger de Renor, por exemplo. A escultura já fazia parte da paisagem e sua presença tem sido cobrada no trecho de onde foi retirada. A transferência abrupta da escultura Carne de minha perna (fotos) do local anterior, durante as obras de requalificação da Aurora, vem dando o que falar.
Já existe uma mobilização pelo retorno do caranguejo gigante ao local de origem. E em defesa do crustáceo já foi até criada uma conta no Instagram, com a mesma pergunta que tem sido observada por muitos internautas nas redes sociais: “#cadeocaranguejodaaurora”. No site Tudo a Declarar, também foi cobrada a presença da escultura. Moradora do Edifício Alfredo Bandeira, a arquiteta e urbanista Séphora Silva reclama:
“O que fizeram com o Caranguejo foi um absurdo e as pessoas responsáveis por essa iniciativa não têm entendimento do que seja uma obra de arte. Acham que aquilo é um ferro velho. Sobre a mudança do caranguejo, não foi perguntado nada a ninguém. Após a inauguração das novas obras na Rua da Aurora, o que as pessoas mais questionam é o destino da escultura.
“Eu quero ver esse Caranguejo voando sobre o Rio Capibaribe de volta para o lugar dele. Um boi já voou uma vez”, afirma a aposentada Maria Carvalho, que engrossa o coro contra a mudança. “O crustáceo gigante tem que voltar para o lugar dele. A mudança é mesquinharia da PCR? Quem é o autor da peça? Essa turma que fez a transferência é a mesma que despiu a cidade dos seus belos lampiões”, reclama. “A pessoa que fez a transferência nunca passou pela Rua da Aurora, e não deve saber qual é o verdadeiro lugar dele. O Caranguejo tem que retornar para o lugar anterior e vai voltar”, afirma Roger de Renor, que muitas vezes usou o Caranguejo como cenário para as noitadas ao som de sua icônica Rural (foto superior).
Na semana passada, os moradores da Aurora chegaram a solicitar uma reunião com autoridades da Prefeitura, incluindo representantes da Secretaria de Turismo, da URB e do Recentro, para discutir o retorno do Caranguejo. “Mas a reunião foi cancelada, porque o Prefeito João Campos (PSB) testou positivo para Covid”, afirma Séphora. Para ela, a Prefeitura decidiu “institucionalizar uma piada, para transformá-la em monumento”. Ela refere-se à tentativa da PCR de tornar instagramável um balanço com uma placa com referência ao encontro dos rios Beberibe e Capibaribe, para “formar” o Atlântico. De acordo com o bom humor popular, os dois rios, juntos, dão origem ao Oceano. E afirma: “O mais instagramável, que era o Caranguejo, foi retirado e ainda foram colocados equipamentos que são iguais em todos os lugares”.
“Aquele balanço (foto) é ridículo. Papo muito maluco sobre o que é e o que não é instagramável , sem que tenha havido nenhum diálogo conosco. Estamos nos reunindo, fazendo conversas debaixo do Caranguejo para que ele volte para o lugar de antes”, diz Roger, mostrando que a pressão será grande. Séphora informa que os moradores da via têm outras queixas. Eles queriam que a quadra ficasse próxima à sede do TCE. E que a academia da cidade fosse implantada perto dos prédios mais antigos (pois os novos possuem suas próprias academias). “Mas a academia foi colocada junto à Ponte do Limoeiro, para onde Caranguejo foi escanteado”. Solicitavam, também, área para pequenos eventos. E já que a quadra ficou no mesmo local, reivindicam que haja segurança e disciplinamento dos horários de uso. “O barulho é a noite toda, ninguém dorme”, reclama.
A urbanista também condena o excesso de padronização nos equipamentos urbanos, inclusive na iluminação (sobre a qual faremos um post à parte). Ela citou comentário bem significativo, que viu no Grupo Amigos da Aurora, a respeito dessa padronização que vem descaracterizando alguns locais conhecidos e até históricos da cidade. “A Pracinha do RioMar agora está na rua da Aurora”. Para a moradora, faltou diálogo entre o poder público e a comunidade, quanto às reformas da Rua da Aurora. “Não sabemos que tipo de diálogo é esse, que só eles falam, mas não nos escutam”, reclama a urbanista, sobre os métodos oficiais utilizados para operar as mudanças na Aurora.
Sinceramente, é muito salutar que a comunidade esteja se movimentando, para ter perto de si uma obra de arte. Viva a Rua da Aurora! Pela volta do Caranguejo!
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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Nilton Pereira / Instagram (#cadeocaranguejodaaurora), Genival Paparazzi e PCR