São João: Artistas reclamam da descaracterização e da invasão de “sertanejos” na festa. Viva o forró!

Não faz muito tempo. Eu trabalhava em um jornal de circulação nacional e estive com o fotógrafo  alemão Hans Von Manteuffeul em Caruaru, para fazer uma reportagem sobre o que já se propagava como “o maior São João do mundo”. Foi uma dificuldade. No palco do Pátio do Forró se alternavam atrações que, infelizmente, nada tinham ao ver com os ritmos juninos. Era complicado, para nós, divulgarmos fotos de bandas de dançarinas seminuas que nem de longe lembravam o o verdadeiro clima da maior festa popular do Nordeste, sempre temperado com chita, xadrez, sanfona, triângulo e zabumba.  Cadê o São João? Pelo que se observa, o problema observado naquela época até se ampliou. Ou os nordestinos se mobilizam logo, ou o São João vai virar festa de música sertaneja e bandas apelativas, de gosto duvidoso. Uma “bagaceira”.

Está aí o exemplo do cantor e sanfoneiro Flávio José. No último dia 2 de junho, ele teve que reduzir seu tempo de apresentação em Campina Grande, Paraíba, para ceder espaço para Gusttavo Lima, aquele “sertanejo” de cachês astronômicos normalmente bancados por prefeituras pobres e que terminam ficando na mira dos Tribunais de Contas. Chateado e com razão, ele fez um desabafo nas redes sociais que ganhou repercussão nacional.  Contra a descaracterização e a invasão de “sertanejos”,  fazem coro também, nomes como Maciel Melo, Bráulio Tavares, Edson Francisco. Este inclusive divulgou um protesto na Web, ao lado da filha, Maria Alice, de apenas cinco anos. “Não troco o forrobodó pela sofrência e pegação. Dispenso a depravação, que é coisa passageira. Fique aí com a bagaceira e devolva meu São João”.

Pernambuco: Forrozeiro e poeta de primeiro, cantor e compositor Maciel Melo pede respeito ao autêntico São João.

Felizmente, no Recife, houve uma exceção em 2023, e o São João da capital pernambucano está sob o domínio de artistas e ritmos verdadeiros da segunda nossa maior festa popular (foto acima). Bingo para o Prefeito João Campos (PSB), que escolheu valorizar a verdadeira cultura regional. Mas não é o que está acontecendo por aí. Inclusive no interior de Pernambuco e da Paraíba. Nos últimos dias, vídeos e mensagens de artistas têm circulado nas redes sociais com o apelo “Devolvam meu São João” ou “Deixem junho para o meu São João”. Forrozeiro de primeira, grande poeta e fiel às raízes da cultura do Nordeste, o cantor e compositor Maciel Melo postou nas redes sociais um apelo pedindo respeito aos artistas e aos ritmos da época, ao forró, ao legado de Luiz Gonzaga. “Não podemos de forma alguma permitir que excluam nosso forró do espaço que lhe foi dado e conquistado ao longo de quase cem anos de existência, pela grandeza, pela realeza, pela genialidade de nossa majestade, o rei do baião Luiz Gonzaga”, apela. E complementa:

“Sinto que cada dia que passa vão empurrando o nosso forró para mais longe do lugar que ele merece. O forró é nossa identificação cultural, é o eco do canto do povo desse lugar”. Quem vem para o Nordeste em junho vem para ver e ouvir as tradições desse povo que passa a vida inteira alimentando suas raízes em sua poesia, sua música, sua culinária, suas crenças, suas vestimentas. Nada contra os outros gêneros que já têm o ano inteiro à disposição deles, mas é preciso respeito para com o que é nosso. O mês de junho é sempre e sempre será vinculado à música do forró. Então, gente, pelo menos nesse momento deixem o nosso verso desfilar pelas ruas, pelos arraiais, pelos espaços de grandes e pequenos polos destinados à verdadeira festa junina. Devolvam o nosso verdadeiro São João.

Outro expoente da cultura nordestina, o escritor, tradutor, compositor e poeta Bráulio Tavares – autor de “Trupizupe, o Raio da Silibrina” –  também expôs a sua preocupação nas redes sociais.  Residente no Rio de Janeiro, o paraibano jamais esquece suas raízes. E afirma que se algum dia “virar membro de órgão da Prefeitura para trabalhar de janeiro até dezembro”, então “vou ver se me lembro que xote, forró, baião, merecem nossa atenção e pedem, todas as vezes: toque axé nos outros meses, mas deixem junho para o São João”. Ele está certo. E protesta contra os falsos forrós que têm aparecido pelo país, tomando o lugar do ritmo raiz, autêntico, regional. Suas colocações lembram a de Edson Francisco.

“O Brasil de hoje anda cheio de falso forró, banda de um ritmo só que eu não sei quem diabo manda. Meu amigo, bote na banda uma outra programação. Jogue essa peste no chão para julho, agosto, setembro, pra outubro ou para novembro, deixe junho para o São João. Tem banda fantasiada, banda só de safadeza, banda com fumaça acesa, banda de mulher pelada, olhe aqui meus camarada, leve a banda ostentação pra tocar lá no Japão ou nos clubes de Miami, nos poupe desse vexame deixe junho para o São João. Lá no São João de Campina Grande, os dois filhos de Francisco fazem show e vendem disco em toda festa junina. Só quem tem mãe nas bunina avaliza essa invasão. Toque forró, meu irmão,porque neste mês eu vejo 30 shows de sertanejo. Deixe junho para o São João.

Estão certos, os artistas. Cada qual tem que lutar pelo que é seu, pela sua identidade, pela sua cultura, defender o seu espaço. Mas infelizmente, em muitas cidades do Nordeste são os próprios gestores que se encarregam de destruir tradições construídas a duras penas durante tantos anos. O poeta Edson Francisco também fez um apelo,  ao lado da filha, Maria Alice, no qual exalta todos os valores da festa mais popular do interior do Nordeste. “Respeite a nossa cultura e devolva meu São João”, diz, ao citar todos os artistas que fazem a verdadeira festa junina.  Confira o vídeo divulgado no Youtube:

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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Cláudio Gomes / Acervo #OxeRecife e PCR /Divulgação

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5 comments

  1. Apenas Lembro que nas duas gestões do prefeito joão Paulo os principais Ciclos Culturais: Carnaval, São João e Natal, tiveram lugar nobre nas festas os artistas locais que trabalham o ano inteiro suas identidades na música, dança e culinária, representantes da nossa identidade cultural.
    Foi o período de maior investimento público, nunca visto antes na cidade do Recife.
    Para tanto, existiu uma Comissão Permanente de técnicas e técnicos em cultura popular nordestina trabalhando em sintonia com o que há de melhor produzido pelo nosso povo.
    ????Rogo aos senhores gestores público que sigam o exemplo e mantenham a nossa identidade de povo aguerrido, alegre e criativo do nosso Nordeste. Gratidão ????

  2. Excelente sua matéria, Letícia, finalmente está surgindo um movimento contra a espetacularização da nossa maior festa regional!

  3. Importante Letícia seu apelo
    Para os gestores mal intencionados ou surdos
    Pra quem é da capital ou sertanejo
    Acha tudo isso um absurdo

    Trocar nossas raízes do São João
    Não tem quem aguente
    É o mesmo que falar oh gente
    No lugar de oxente

    Cantar os ritmos juninos
    Não é pra pra qualquer um
    Tem que comer muito milho seu menino
    Pra não sair entoando cantiga comum

    Nada contra nenhum músico seu prefeito
    Qualquer cantiga nos alegra o coração
    Mas como os outros já tem o ano inteiro
    Deixem tocar nossos forrós no São João.
    Denaldo Coelho
    16/06/2023

  4. DEIXEM TOCAR NOSSOS FORRÓS
    Importante Letícia seu apelo
    Para os gestores mal intencionados ou surdos
    Pra quem é da capital ou sertanejo
    Acha tudo isso um absurdo

    Trocar nossas raízes por qualquer montante
    Não tem quem aguente
    É o mesmo que falar oh gente
    No lugar de oxente

    Cantar os ritmos juninos
    Não é pra pra qualquer um
    Tem que comer muito milho seu menino
    Pra não sair entoando cantiga comum

    Nada contra nenhum músico seu prefeito
    Qualquer cantiga nos alegra o coração
    Mas como os outros já tem o ano inteiro
    Deixem tocar nossos forrós no São João.
    Denaldo Coelho
    16/06/2023

  5. Sorte nossa Letícia que ainda temos verdadeiros forrozeiros resistindo a esse aculturamento do nosso São João e formadores de opinião como vc e outros que se juntam a esse exército de resistência.
    Parabéns!

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