Achado arqueológico no Recife: 40 mil fragmentos, cemitério e fortaleza

No Brasil, a legislação é bem rígida, quando o assunto se refere a achados arqueológicos. Há obra em andamento, aparecem jazidas arqueológicos ou  pré-históricos, tem que parar tudo, para coleta de materiais, que ficam sob guarda e proteção do poder público.  E a propriedade de superfície que é regida pelo direito comum, por exemplo, não se aplica a aqueles achados.  Pois na nossa cidade as obras de um conjunto habitacional que estava sendo construído na localidade Pilar, no bairro do Recife Antigo, teve que parar. É que, segundo a Prefeitura, ali foi encontrado aquele que deve ser o maior achado arqueológico urbano do país. Nele, já foram coletados 40 mil fragmentos de objetos diversos, mais de cem ossadas e ainda vestígios do Forte de São Jorge, construído no século 17, provavelmente um dos maiores e também dos mais antigos do Brasil.

Seguindo o que determina Lei Federal, a área onde seria construído condomínio popular, está interditada: sítio arqueológico.

A descoberta das relíquias ocorreu logo no início das construções de um conjunto habitacional dedicado à moradia popular. As escavações vêm sendo realizadas por profissionais Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE).  Com a medida, a Prefeitura do Recife estuda transformar o local em um parque arqueológico, onde a população e turistas possam reconectar-se ao passado de olho no futuro da cidade. A novidade foi anunciada pelo Prefeito João Campos (PSB), no dia do aniversário do Recife.  No bairro, escavações arqueológicas realizadas em 2000  já deram origem a um museu a céu aberto, situado na Rua Barão Rodrigues Mendes, que fica entre a Av Alfredo Lisboa e a Rua do Bom Jesus. Ali, estão vestígios do Arco do Bom Jesus, protegidos por um guarda corpo de vidro.

Escavações também na Rua do Bom Jesus também ajudara a reconstruir a história da Sinagoga Kahal Zur Israel, tida como a mais antiga das Américas. Após anos de pesquisa e restauração, ela finalmente foi entregue ao público em 2001, transformando-se em museu e em centro cultural da história judaica em Pernambuco.  Hoje o Museu é uma das atrações turísticas do Recife, funcionando nos números 197 e 203, na Rua do Bom Jesus.  Sobre a nova descoberta, afirma o Prefeito: “Devido a esse achado, a gente está agora formando um grupo de estudos na Prefeitura, com Instituto Pelópidas Silveira, a URB e a Secretaria de Infraestrutura para poder definir quais serão os próximos passos. A gente está diante de um grande achado arqueológico e lógico que o material e a  área serão preservadas”.  E promete: “Vamos construir novas alternativas para as habitações aqui planejadas, para que se possa conciliar a necessidade de construção de moradias com a necessidade de preservação do nosso patrimônio histórico, afinal de contas aqui está mais um superlativo recifense: um dos maiores achados arqueológicos em áreas urbanas do Brasil”.

Além de vestígios de forte e arco, os achados incluem mais de cem ossadas no bairro do Recife.

O trabalho de pesquisa e mapeamento foi realizado pela Universidade Federal Rural de Pernambuco, por meio da Fundação Apolônio Salles de Desenvolvimento, entre os anos 2014 até 2020. E contabilizou cerca de 40 mil fragmentos entre cerâmicas, peças de jogos, tijolo holandês, garrafas de bebidas, perfume, remédio, moedas, bala de canhão, escova de dente e ossadas. Durante a investigação, os pesquisadores também descobriram alguns vestígios do Forte de São Jorge sob a Igreja do Pilar e, ainda na fase de pesquisa, foram constatadas algumas obras do século XVI, como a ocupação de casas e armazéns. 

O local também abriga vestígios de um cemitério. Para os estudiosos que estão à frente do trabalho esse pode ser o maior cemitério arqueológico já encontrado no Brasil. A área conta com uma estrutura que dispõe de enterramentos articulados, no qual é possível recontar a história a partir dos seus achados. Mais de 100 ossadas humanas já foram encontradas nessa área e estão em estudos na UFRPE. Há indícios de que pessoas mortas na guerra e vítimas de doenças, como a cólera e gripe espanhola, que matou mais de quatro mil recifenses, entre os séculos de 16 ao 20, possam ter sido colocadas no cemitério.

Se o parque arqueológico realmente for implantado, essa igrejinha escondida na localidade do Pilar ganhará maior visibilidade.

O Forte de São Jorge é a maior edificação do gênero instalada no território brasileiro durante o Século 16. O local é um bastião da resistência dos portugueses contra a invasão holandesa. A área dispõe de uma das mais modernas estruturas da época. Dados da iconografia apontam que os holandeses denominaram “Forte de Castelo de Terra”. O que leva a crer que sua aparência é de um castelo. Em 1630, o espaço foi palco de um importante conflito, quando os holandeses tentaram invadir a cidade do Recife. Perto dali, havia o Forte de São Francisco, que fazia o controle das embarcações que chegavam pelo mar. Por causa da resistência, os holandeses não obtiveram sucesso nos planos. Diante disso, investiram no plano de invadir a capital pernambucana indo pela cidade de Olinda. Sem esperar, os guardiões do Forte de São Jorge acabaram sendo surpreendidos pela investida. A partir daí, eles conseguiram dominar o território. 

“Diante do ocorrido, instalou-se uma guerra que trouxe caos e muito danos à vida das pessoas e a arquitetura do forte, com tiros e explosões de canhão. Mesmo diante do cenário de devastação, no pós-conflito, os holandeses passaram a se apropriar do forte”. Em 1645, desgastado pelo tempo e a falta de manutenção, por conta da batalha, os holandeses transformaram a área em uma enfermaria, uma espécie de hospital de campanha. Já em meados de 1679, a área ficou em ruínas, e encontrava-se totalmente abandonada. Por conta disso, o governador da época, Ari Souza de Castro, fez doação ao Capitão-mor, João Rêgo Barros. O ato foi marcado por uma entrega de uma carta de sesmaria, com a ressalva que João do Rêgo deveria construir naquele ponto uma igreja, onde está localizada a Igreja do Pilar. A edificação tornou-se realidade em 1680, mas de lá para cá passou por outras reformas. Inclusive, para construção da igreja, foram usadas várias pedras e sobras das edificações do forte. Além da igreja, é possível encontrar sobras do Forte de São Jorge, que foram reutilizadas no Forte do Brum, por exemplo.

Abaixo, você confere outras verdades históricas já postadas no #OxeRecife.

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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Rodolfo Loepert / PCR e Letícia Lins
Vídeo – Diego Nigro – PCR Imagem

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