Aos 24 anos, o jovem Gleison Leite Xucuru, indígena do Povo Xukuru do Ororubá, da Aldeia Cana Brava, começa a ficar famoso. Ele está estrelando a campanha Caminhos da Comida, do WWF-Brasil, através da qual jovens brasileiros compartilham suas jornadas da semente ao prato, como forma de estimular suas comunidades a produzirem o alimento que consomem. O biênio 2018-2020 revelou uma trágica realidade, lembrada pelo WWF-Brasil, que motivou a campanha. É que em quatro brasileiros, um sofreu com a falta de comida, em graus que vão da fome moderada à severa.
A campanha Caminhos da Comida, do WWF-Brasil, foi criada pela Purpose Brasil e fica no ar até o final deste ano. A aldeia a que Gleison pertence está em terra indígena homologada no começo deste século, após décadas de lutas, conflitos e mortes. A aldeia é no município de Pesqueira, na Região Agreste do Estado, a 215 quilômetros do Recife. E Gleison se volta para a produção de alimentos como forma de resistência. Para o povo Xukuru, a agricultura é parte de uma extensa rede de manifestações ancestrais. “Essa relação com a terra é um contato direto com nossa ancestralidade, com nossos encantados. É aí que visamos buscar o contato com a natureza, consultando-a e fazendo as coisas da melhor forma possível. Como produzir alimentos sustentáveis que trarão benefícios para a gente. A natureza é um espaço sagrado e vivo”, explica o jovem.
Em seu roçado e quintal produtivos são produzidos hortaliças, tubérculos e frutas (feijão, milho, mandioca, abacate e banana). Gleison não vive só da agricultura. Ele também tem vida ativa na preservação da cultura do seu povo. E até toca pife no grupo Jetuns e jetuins de Mandaru. Também integra a Comissão de Jovens Multiplicadores e Multiplicadoras da Agroecologia (CJMA Agreste). E atua na experiência da Trilha Saberes, uma trilha ecológica no território Xukuru muito solicitada por turistas.
Além do pernambucano, participam da campanha: Amanda Bonadiman (RJ), Marcelo Borges (GO) e Sabrina Bizunga (CE). Cada qual com sua história. Amanda fez o caminho inverso de muitos jovens, ao sair da cidade para o campo. Viveu no Rio de Janeiro até os 18 anos, mas o curso universitário de agroecologia a levou a Rio Pomba (MG), onde se engajou ao movimento agroecológico. Marcelo Borges é de Aparecida do Rio Doce, em Goiás. Ele optou pela faculdade de jornalismo e, por meio da comunicação, reforçou seus laços com o campo. Deputado jovem, é fundador do Folhas Que Salvam – com embaixadores em 23 Estados. A organização foi criada após uma aula sobre queimadas que o sensibilizou e o levou a desenvolver um projeto para engajar ativamente os jovens em ações ambientais, como reflorestamento, mutirões de limpeza e conversas sobre degradação e regeneração da paisagem. Atualmente é também membro do Acredito, Politize e Engajamundo . Outra jovem que está mostrando ser possível produzir os próprios alimentos é Sabrina Bizunga, de São Luiz do Curu, no Ceará.

Sabrina é filha de produtores rurais. E a única, entre 11 irmãos, que deu continuidade à atividade dos pais. “Estou herdando a lavoura e fazendo do meu jeito, mesmo batendo muito de frente com meu pai,” revela. Formada como técnica em meio ambiente, agronomia e agrimensura, Sabrina é a idealizadora do projeto Flor do Sertão, empresa sustentável, onde trabalha com a valorização da caatinga, ornamentação de jarros rústicos, restauração e montagem de jardins, além da produção de alimentos. “A ideia é mostrar, através da Flor do Sertão, que as pessoas podem produzir seu próprio alimento, que é possível”, ressalta. A jovem conta que as pessoas não respeitavam a assessoria técnica que prestava aos agricultores, por ser jovem e mulher. Isso fez com que ela quisesse se reinventar e buscar crescimento profissional, além de novos campos de estudo, como técnico em agropecuária, agrimensura e, recentemente, em meio ambiente.
A campanha Caminhos da Comida vem na sequência de uma pesquisa global da Economist Intelligence Unit (EIU) e encomendada pelo WWF, que mostrou um crescimento do ativismo digital em torno de temas ambientais. Só no Twitter, o aumento no número de menções a natureza e biodiversidade nos últimos quatro anos foi de 65%. Somadas, essas postagens alcançaram um público de quase 1 bilhão de pessoas em todo o mundo. Essa tendência é mais forte na América Latina, onde o número de postagens relacionadas à natureza e à biodiversidade disparou 136% entre 2016 e 2020.
É muito salutar que organizações não governamentais estejam se movimentando para incentivar a produção de alimentos, e também a agroecologia. Até porque o Brasil virou refém de uma enxurrada de venenos que foram criminosamente liberados no Governo Jair Bolsonaro, e que já estão há muito tempo proibidos em outros países. Felizmente, Pernambuco está na frente quanto o assunto é feiras agroecológicas (pois detém no Nordeste a maior quantidade delas). E algumas Ongs que atuavam apenas no campo (como Serta e Sabiá), passaram a orientar comunidades de outras regiões na produção de hortas comunitárias, urbanas ou domésticas. Sem uso de agrotóxicos. Ainda bem. De parabéns, portanto, Gleison e Marcelo. E também Sabrina, cuja história eu até já conhecia.
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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: WWF-Brasil e Serta (Acervo #OxeRecife)