Você está feliz com o Recife?

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Esse grafite, em um muro em ruínas, no bairro da Torre, me chamou a atenção. Lembrei logo de minha querida, tão linda e castigada cidade. Isso porque a imagem do garoto me passou a ideia de abandono, desolação e tristeza.  Um sentimento que a gente sente na pele, quando circula, por exemplo, pelo centro extremamente degradado do Recife em bairros como Santo Antônio e São José.

Já o muro, caindo em pedaços, me fez recordar uma palavra muito utilizada pela população, quando se refere ao estado atual do Recife:  “jogado”. A gente tem uma cidade linda mas que, infelizmente, não conta com o merecido carinho da população e muito menos dos nossos gestores. Andar pelas calçadas do Recife, por exemplo, é um sofrimento. E um risco contínuo de acidente. Eu que o diga, que já precisei imobilizar por três vezes o pé, por conta de tombos devido à buraqueira. Na última, foram 40 dias no estaleiro, com uma fratura na fíbula.

Os  nossos rios  estão extremamente poluídos. Os riachos viraram canais que por sua vez são hoje esgotos a céu aberto. Apenas 30 pro cento dos domicílios possuem saneamento. E a oferta d´ água embora seja teoricamente universal, não chega para todo mundo.  Muita gente mudou os hábitos, com medo de sair à noite, temendo a violência.  Ao ver o garoto tão triste, acionei o Inciti, para saber do resultado da pesquisa em andamento sobre o Índice de Felicidade Urbana do Recife. Como os resultados ainda estão sendo computados, o #OxeRecife decidiu se antecipar. E indagou a várias pessoas: “Você está feliz com o Recife”? Veja o que elas dizem:

Sílvio Meira, fundador do Porto Digital, do C.E.S.A.R  e pensador – “Sim, estou feliz com o Recife. Temos mais problemas como cidade, do que deveríamos ter. Mas menos do que poderíamos ter. Temos grandes oportunidades, exatamente porque temos tantos problemas. Lá no Porto Digital, experiência única no Brasil, estamos ajudando a transformar os problemas do velho Recife em oportunidades para cada vez mais gente daqui e de fora, há quase 20 anos. Dá um trabalho danado, mas a cada pequeno sucesso é uma  grande comemoração e um motivo a mais para continuar tentando. E a cada fracasso, de todo tamanho, uma oportunidade para aprender. O Recife tem alma inquieta, demandante e exigente. Acorda sempre mais desafiante do que foi dormir. O Recife não se rende por pouco: há quase 500 anos, aprende e se reinventa com o tempo. Serve de exemplo para pessoas que, como eu, chegou aqui há 50 anos e ainda não aprendeu quase nada. O Hellcife dos meus verões, não me escolheu como habitante, por acaso; fui eu que o escolhi, com paixão eterna. Evoé”.

Ubirajara Lopes Carvalho, advogado e Coordenador do Grupo Amantes do Recife – “Não estou feliz com minha cidade. O abandono e o processo de degradação do Centro mostram o descaso da Prefeitura  e da Emlurb com o patrimônio do Recife. A sujeira é grande e as calçadas são péssimas. A violência contra o patrimônio público e contra o privado também assusta. A arborização não é boa, pois há tocos de árvores em todos os lugares. Derrubam árvores a torto e a direito. Até as pontes estão totalmente desprezadas, inclusive a bela Boa Vista, conhecida como Ponte de Ferro. Há ferrugem em muitos lugares. Infelizmente a situação do Recife é um horror”.

Stemberg Lima, engenheiro civil, guia voluntário de grupos de caminhadas (como Andarapé e Trilhas Urbanas) e Coordenador do Grupo Caminhadas e Cultura –  “Não estou feliz com o Recife, uma bela cidade, cortada por rios e pontes, mas que peca na falta de sinalização turística. Não há atrativos para mostrar nossa multicultura. Falta  um Centro de Exposição Cultural para apresentação das diversas vertentes musicais, gastronômicas, etc. Temos o frevo, o maracatu, a ciranda, o coco de roda e muitos outros.  Também a tapioca, o bolo de rolo, o bolo de noiva e muitas outras iguarias. Infelizmente o Centro do Recife é imundo e fétido. A divulgação de nossa cidade em outras praças é muito fraca. Eventos como o carnaval devem ser divulgados com muita antecedência, e não em cima da hora como geralmente acontece. A Veneza Brasileira merece respeito”

Agenor Tenório, engenheiro mecânico, um dos coordenadores do Grupo MeninXs na Rua – “O Recife é uma cidade muito privilegiada, com muito sol, o mar bem perto, o Rio Capibaribe e muita cultura. Ainda podemos citar sua cultura, sua história e a arquitetura. Fico feliz com o que a cidade tem, mas reconheço que ainda há muito o que melhorar. O Centro, por exemplo, está todo realmente sofrível. Participo de um grupo de caminhantes, e fazemos muitos passeios temáticos pelo Recife. Através dessas caminhadas, possibilitamos que as pessoas conheçam melhor a nossa cidade, inclusive com os seus problemas.  Os passeios ajudam a criar uma maior sensibilidade para com as coisas da cidade, e contribuem para despertar um novo olhar sobre o Recife”.

 Francisco Cunha,  arquiteto, urbanista,  consultor, um dos fundadores do Observatório do Recife e Coordenador das Caminhadas Domingueiras – “Sim, sou feliz no Recife. Porque apesar de suas inúmeras carências de urbe desigual e historicamente desarticulada por um crescimento populacional explosivo, é uma cidade fascinante. A própria luta cidadã para dotá-la de condições urbanísticas satisfatórias, já é para mim fonte de inspiração, satisfação e alegria” .

Circe Maria Gama Monteiro, arquiteta, urbanista, socióloga, psicóloga ambiental, coordenadora de pesquisa no Inciti-Ufpe – “Sim. Estou feliz com o Recife, porque me dá condições de lutar por uma cidade melhor e que transforme a vida das pessoas (ela participa de grupo que elaborou o Projeto Parque Capibaribe, que deve tornar o Recife uma cidade jardim até 2037).  A luta é grande mas também é grande o revertério, pois o poder público, em vez de ser nosso aliado, parece não entender o que deve ser feito para uma cidade melhor. O Recife tem características que a transformam em única e singular: está em um estuário, em ambiente tropical e é  multicultural.  Mas, infelizmente é uma cidade antropofágica em suas entranhas”.

Ana Rita Sá Carneiro, Coordenadora do Laboratório de Paisagismo da Ufpe – “Não é uma pergunta fácil de responder. Essa reflexão, iniciada no Laboratório, por conta da Carta de Paisagismo do México (lançada em 2018) – de cuja elaboração participou uma nossa colega (Lúcia Veras) – mostra que um dos objetivos ligados ao documento tem a ver com a paisagem e também com a felicidade, como sentimento ligado ao desejo, ao prazer, à liberdade. No caso do Recife, temos muitas razões para sentir felicidade. Vejo muita beleza, mas também muita miséria. A própria paisagem do Recife – com seus prédios, rio, jardins de Burle Marx – nos dá motivo para alegria. Mas tem outro lado negativo no espaço público, no momento de vivenciar a paisagem, que compromete a felicidade: o medo de assalto, a violência”.

Vanda da Silva, moradora de Sítio dos Pintos, empregada doméstica – Ninguém pode ser feliz em uma cidade, onde dá medo ficar na rua. No meu bairro, as pessoas esperam o ônibus dentro de casa, com medo da violência. Quando ouve o barulho do motor, sai correndo para a parada, porque ficando menos tempo na rua, é menor a chance de ser assaltada. Acho que para a gente ser feliz precisa morar bem, ter água na torneira todo dia e andar com segurança. Também dá muita tristeza chegar na Upa e não ter médico para atender, como aconteceu comigo na semana passada. Também acho muito triste a quantidade de lixo que a gente vê no meio da rua.

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Texto e foto: Letícia Lins / #OxeRecife
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2 comments

  1. Recife bela cidade. uma das minhas paixões. Lugar para onde voltei para viver, aqui nasci, aqui me sinto em casa. E também no trabalho miudinho cotidiano de trabalhar por um espaço de existência e bem estar melhor. A felicidade de encontrar pares nesse trabalho de formiguinha e o desespero de encontrar incompreensão N vezes. Observo que o nosso maior problema e não colocar a nos o cidadão em primeiro lugar. Cedendo o poder a automóveis e a soluções que a medio e curto prazo pioram o bem estar. Mas vejo sim uma grande luz no fim do túnel, pessoas como você Leticia que colocam energia nesse projeto de uma cidade melhor. Uma árvore a mais, um saco de plático a menos, uma calçada correta a mais, um copo descartável a menos, uma pessoa consciente a mais um ativista a mais. Vamos seguindo. Há sim um final mais feliz.

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