“Conheço poucas cidades que se autodestroem tão rapidamente quanto o Recife” (Circe Monteiro). “Nós, lá na Bahia, olhávamos o Recife, como o mundo olhava para Paris” (Caetano Veloso). As declarações de ambos denunciam a triste situação do Recife. Circe, pelo que a cidade se transformou. Caetano, pelo que ela já foi. Ao examinarmos fotografias e postais antigos do Recife, o sentimento é de nostalgia pelo que a cidade deixou de ser. E quando caminhamos pelas ruas do Centro, a sensação torna-se ainda mais desoladora.
Circe é professora do Departamento de Arquitetura da Universidade Federal de Pernambuco e coordenadora do Inciti/ Ufpe (Grupo de Pesquisa e inovação para as Cidades). Caetano Veloso dispensa apresentações, com sua sensibilidade extrema. As duas colocações foram lembradas pelo arquiteto, urbanista e consultor Francisco Cunha, durante a palestra Ilha de Antônio Vaz Visão de Futuro, no REC’n’play, evento realizado na semana passada, em que houve sessão na qual se discutiu o futuro do centro cada vez mais degradado de nossa cidade. Pelo que se observa, o assunto está longe de se esgotar. E, talvez, mais distante ainda de uma solução que devolva à cidade o tempo de glória que a Ilha já viveu. E os problemas daquela região são tantos, que o urbanista chegou a comparar a situação com um quebra-cabeças desmontado, necessitando de muitas “jogadores” para que as peças voltem a se encaixar. Caso contrário, o jogo estará perdido para sempre.

Infelizmente o Recife vem perdendo verde, passando um problema de verticalização quase sem controle, com condomínios cujos muros são verdadeiros paredões, suas praças estão abandonadas. E, o que é pior, seu patrimônio arquitetônico e urbanístico sofre agressões de toda sorte. Uma das áreas de maior deterioração é justamente a Ilha de Antônio Vaz que perdeu a pujança do passado. Com 575 hectares (três por cento da área do Recife), aquele pedaço de terra foi escolhido por Maurício de Nassau no século 17, para sediar palácios, canais, moradias, praças. Até a nossa primeira ponte. Ganhou plano urbanístico naquela época, traçado que terminou por fazer da atual Praça da Independência o centro efervescente do comércio do Recife.

Quem passa hoje pela também conhecida como Pracinha do Diário, no entanto, vê que aquela área no bairro de Santo Antônio evoluiu para pior. Perdeu sua nobreza. Na verdade, o nó é mais extenso. Espalha-se por toda a Ilha de Antônio Vaz, que além de Santo Antônio, congrega São José, Cabanga e Joana Bezerra, segundo explica o coordenador do Projeto Caminhadas Domingueiras Olhe pelo Recife. Mostra que a Ilha, do seu auge econômico e urbanístico até as cinco primeiras décadas do século 20, caminhou para perder por completo “o protagonismo, entrando em decadência”. E o esvaziamento é tão grande, que o comércio está em crise e a população não procura a área mais nem para residir. No bairro de Santo Antônio, por exemplo, só há 286 moradores. Como se sabe, nenhuma área urbana sobrevive dignamente sem ocupação que lhe dê vida, pulsação, sentido, urbanidade, cidadania, identidade.
Além do vazio dos imóveis, são incontáveis as lojas fechadas no outrora centro comercial da cidade. A Ilha também enfrenta problemas como a decadência da Avenida Dantas Barreto e a descaracterização da Avenida Guararapes, onde até mesmo as célebres calçadas cobertas foram indevidamente ocupadas pelo comércio informal. Na palestra, Francisco Cunha comparou a situação do Recife e de Lima, que não chega a ser uma cidade rica. Mas a diferença da capital do Peru com o Recife vocês podem observar na foto dupla que abre esse post, e que foi exibida para mostrar o contraste entre as duas cidades. Também há necessidade de remoção de alguns equipamentos, como o “monstrengo” que é a parada do BTR da Guararapes. E há sugestões como transformar a Dantas Barreto em um boulevard. O problema da Ilha de Antônio Vaz preocupa o Clube de Diretores Lojistas que encomendou um projeto para a área. As discussões sobre o destino da Ilha de Antônio Vaz se arrastam desde 2000, já envolvem 21 órgãos dedicados à tarefa de “remontar” o quebra-cabeça. Mas, infelizmente a visão de futuro ainda não foi suficiente para transformar a triste realidade do presente, conforme observamos em caminhada a pé, realizada no último sábado. Que tal restaurar a dignidade que a Ilha teve no passado? É tudo que o recifense quer.
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Texto e fotos: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: TGI (Cortesia) e Letícia Lins
O governo deveria comprar estes imóveis e vende-los a preço barato para pessoas que prometem investir. Várias cidades na Itália fizeram isso. A Sicilia esta vendendo casas antigas por preços baratíssimos para pessoas que querem fazer airbnb. O que falta é visão. Não sei se este prefeito tão jovem entende a importância em salvar a cidade que já foi a mais linda do mundo.
Eu vivo fora do país e sempre sonhei em comprar um imóvel antigo mas confesso que é mais viável fazer este investimento na Europa do que em Recife. Conheço estrangeiros que adorariam investir em air bnbs em sítios históricos en Recife mas os preços e a burocracia também não ajudam. Uma pena que as construtoras poderosas não mostram sua cidadania e ajudem também.