Muita gente que passa por locais como a Praça Euclides da Cunha (Benfica), Largo da Paz (Afogados) ou Rua da Aurora (Santo Amaro), defronta-se com estruturas como a da foto acima, e que são datadas do início do século passado. Anos 1915, por aí. O que as pessoas normalmente não sabem é que essas construções assinalam uma saudosa realidade que parece uma utopia nos dias de hoje: o Recife cem por cento saneado.
Essa construção nada mais é do que uma estação elevatória de esgoto erguida naquela época. E que, ainda hoje, funciona. Em 1909, o então Governador de Pernambuco, Herculano Bandeira (1850 – 1916), chamou o engenheiro Francisco Rodrigues Saturnino de Britto (1864-1929) para implantar um sistema de esgotamento sanitário na chamada Veneza Brasileira, onde nos tempos do Brasil colônia, os dejetos eram atirados às ruas, a partir das janelas das casas.
Saturnino de Britto é considerado um pioneiro da engenharia sanitária e Ambiental no Brasil, e seu trabalho (tanto no Recife como em Santos, e em outras cidades brasileiras) vem sendo exaustivamente explorado em publicações acadêmicas. Nas décadas seguintes, no entanto, a questão do saneamento começou a ser ignorada pelos políticos que, por interesses eleitoreiros, passaram a dar prioridade a obras com visibilidade como pontes, avenidas, ruas calçadas. Inclusive aqui no Recife. E o resultado aí está: rios poluídos, riachos que se transformaram em esgotos a céu aberto, ruas com esgotos estourados até em bairros nobres, como Boa Viagem, na Zona Sul do Recife (foto abaixo).
Pelo visto, o Recife está precisando de um novo Saturnino de Britto. Para o urbanista, arquiteto e consultor Francisco Cunha, que me explicou o significado daquela construção na Praça Euclides da Cunha – durante uma edição de nossas Caminhadas Domingueiras – o engenheiro pode ser considerado “o pai do saneamento nacional”. E acrescenta: “Ele foi um engenheiro ferroviário autodidata e um inventor em saneamento”. Depois, completa: “Planejou e executou, no início do século 20, dezenas de sistemas sanitários em cidades pelo Brasil afora, dentre elas, Santos e Recife”. Lembra que a convite de Herculano Bandeira, o engenheiro ficou no Recife entre 1910 e 1918, quando “deixou projetado e implantado um sistema de esgoto de acordo com os princípios mais avançados da época, que abrangia praticamente cem por cento do Recife de então”. Ou seja, nossa cidade toda saneada, um sonho que alimentados hoje, um século depois. E vejam mais o que diz Francisco Cunha:
Os cerca de 30 por cento que temos hoje de coleta de esgotos na cidade (há quem diga que nem cinco por cento são tratados) corresponde, grosso modo, aos cem por cento de 1918, quando o Recife era totalmente saneado. Isso mostra como temos muito ainda no que avançar, em especial sob as tristes evidências desses tempos de epidemia. E no Recife, podemos dizer que temos a nos inspirar o gênio saneador do nosso Saturnino, herói não reconhecido pelo que fez pela nossa cidade e por diversas outras num País que, infelizmente, continua tão carente.
Carente de saneamento, inclusive. Nos links abaixo, você pode ver várias informações sobre a questão do saneamento básico no Recife, cujos prazos de solução vêm sendo constantemente prorrogados pelas empresas que cuidam desse tipo de serviço na Região Metropolitana. Enquanto a cobertura universal pelo saneamento básico permanece como uma utopia, continuamos com bairros cuja estrutura de saneamento em nada difere de infectos tempos medievais. Há favelas no Recife, onde todo mundo sabe o que são os “pombos”, os cocôs voadores. Ou seja, nada mais do que sacos plásticos, com dejetos humanos, jogados em rios e terrenos baldios. E isso em pleno século 21! Dá para entender?…
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Texto e fotos: Letícia Lins / #OxeRecife
Precisamos de mais governantes como Herculano Bandeira de Mello.
Parabéns cidadã Letícia, pela iniciativa e altivez na concretização da denúncia e o desmascaramento do “lixo” de que se constitui os pensamentos e obras dos políticos do Recife, de Pernambuco.
Ressalvo, apenas, que o nosso histórico Açude de Apipucos não transformou-se apenas num aterro. Além de moeda de troca da politicagem de todos os tempos na capital pernambucana. Na realidade ele é uma cloaca de mais de 50.000 pessoas, das comunidades dos bairros ao redor dele, inclusive pela denominada comunidade dos “ricos”, do Loteamento Apipucos.
Conte comigo logo mais, amiga Letícia, no pós coronavírus.
Meus parabéns, amiga Letícia, pelas duas excelentes matérias: uma a respeito do pioneiro trabalho do engenheiro sanitarista Saturnino de Brito, e a outra sobre o “Jardineiro da América”, como é denominado carinhosamente pelos seus colegas e admiradores, o renomado paisagista Roberto Burle Marx e os seus 15 jardins históricos, na cidade do Recife. Abraços