Com essa pandemia, nem andar mais como antes a gente pode. Nada de passeios a pé em grupos. Mas olhando aqui meus “alfarrábios” digitais, eis que me defronto com essa figura aí da foto, que arquivei da última edição das Caminhadas Domingueiras. Sabem quem está representado na estátua? Augusto dos Anjos (1884-1914), poeta nascido na Paraíba, mas que residiu no Recife, a quem dedicou um dos seus poemas mais famosos: As cismas do destino. A escultura fica na Praça da República (foto), quase ao pé da Ponte Buarque Macedo, que liga os bairros de Santo Antônio e o do Recife (antigo).
Naqueles tempos, não havia pandemia como a que vivenciamos hoje, do coronavírus. Mas doenças como tuberculose e pneumonia despertavam o mesmo temor, como o poeta deixou registrado em seus dramáticos versos. É que como ocorre hoje com o novo coronavírus, não havia medicamentos específicos para infecções pulmonares, como a tuberculose e a pneumonia. “Recife. Ponte Buarque Macedo./ Eu, indo em direção à casa do Agra, / assombrado com minha sombra magra./ Pensava no destino, e tinha medo!” Há quem atribua o medo à tuberculose, mas alguns pesquisadores informam que Augusto dos Anjos não tinha tuberculose, e que foi fulminado por uma pneumonia. A tuberculose, no entanto, matou o seu pai, o próspero senhor do engenho Pau-d´Arco, onde se produzia aguardente, açúcar mascavo e rapadura. Hoje, o temor no aparelho respiratório é outro: o novo coronavírus, que já matou 59.594 no Brasil, das quais 1.825 em Pernambuco.

“A Casa do Agra parece ter entrado no segundo verso do poema apenas como rima para magra. Mas, na verdade, exprimia uma ideia sinistra. Tal casa era a mais famosa empresa funerária do Recife”, conta R. Magalhães Júnior, no livro Poesia e Vida de Augusto dos Anjos. “Fundada em 1815 pelo sapateiro Manuel Gonçalves Agra, que prosperou e virou comendador”, conta o pesquisador. “Lembro-me bem. A ponte era comprida, / e a minha sombra enorme enchia a ponte, / como uma pele de rinoceronte,/ estendida por toda a minha vida”, afirma Augusto dos Anjos sobre a Buarque Macedo (foto central), uma das emblemáticas pontes do Recife.
Ele veio morar em Pernambuco para estudar na Faculdade de Direito do Recife, como era comum na época. Encantou-se com a folia carnavalesca do início do século, quando a cidade passava por “dias festivos, alegres, esplendorosos”. E descrevia, em cartas aos familiares: “Profusão de clubes carnavalescos, os Filomonos, Caraduras, confete, bisnagas, serpentina, danças e, no entanto, eu diverti-me pouco”. Portanto, quando fizer a travessia entre aqueles dois bairros pela ponte Buarque Macedo, lembre-se que ela já rendeu versos. E quanto ao carnaval, o poeta não sabe o que perdeu.
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Texto e fotos: Letícia Lins / #OxeRecife