Eu não vi, pois estava no meu pequeno recesso. Mas gostaria de ter visto a ação performática realizada por estudantes e atores do Recife, em que fizeram um “cortejo fúnebre” simbólico (aspas nossas), quando depositaram coroas de flores em prédios icônicos da cidade, que foram muito vivos no passado, mas que agora estão “mortos”.
Quem define o precário estado dos imóveis dos bairros centrais da capital pernambucana é o recifense Marcos Salomão, idealizador do “enterro”, que teve o objetivo de chamar a atenção da sociedade para o abandono do centro da cidade. Incluindo a situação em que se encontram prédios que já tiveram dias de glória, mas que hoje encontram-se em ruínas.

É. O Centro do Recife nem de longe lembra aquele perímetro acolhedor de nossa infância. Da minha, aliás. E também a do mestrando. E olha que o Marcos é de uma outra geração, tem apenas 37 anos. O Centro do Recife está mais para “Retratos Fantasmas” (lembrando o filme de Kleber Mendonça) do que para uma feérica cidade, retrato do futuro.
Indignado com a situação do centro de sua cidade, ele convocou voluntários pelas redes para participar do “cortejo”, que saiu da Rua Corredor do Bispo, no bairro da Boa Vista. A ação teve pouca gente. Mas o simbolismo foi bem forte. O cortejo fúnebre para prédios mortos passou pela Riachuelo, Conde da Boa Vista, Hospício, Imperatriz. E ainda pelas pontes Princesa Isabel e Buarque de Macedo e, por fim, a Praça da República. As paradas, no entanto, foram três: Escola Normal Pinto Júnior (Riachuelo), casarões da Rua da Aurora e o Liceu de Artes e Ofícios (Praça da República). A Pinto Júnior tem prédio secular, de bonita arquitetura, mas parece um castelo mal assombrado. A Aurora, uma das mais icônicas do centro, é marcada por contrastes: prédios modernos de luxo, alguns casarões antigos conservados e outros – a grande maioria – quase caindo. O Liceu está em ruínas, mas recentemente a Governadora Raquel Lyra anunciou sua restauração. Que ainda não saiu do papel.
“Fizemos a ação performática para chamar a atenção dos recifenses. Principalmente para a situação do centro da cidade, cuja impressão que nos dá é a do abandono. Sempre ouço falar que este ou aquele prédio antigo vai ser restaurado, transformar-se em moradia, virar museu, centro cultural… Mas nada acontece”, reclama ele, que é mestrando de Artes da Cena na Escola Superior de Arte Célia Helena, que fica em São Paulo. Seus estudos têm sempre as ruas e cidades como foco, mesmo que as artes cênicas geralmente sejam associadas aos palcos dos teatros.
Como o #OxeRecife tem como um dos objetivos da defesa do patrimônio da cidade, fizemos uma mini entrevista com Marcos, que puxou o cortejo fúnebre para prédios mortos do centro. Confira, o que ele diz, nesses tempos de muita badalação mas pouca ação (oficial) para o centro do Recife:
#OxeRecife – O que vocês fizeram foi um protesto contra o abandono do Centro do Recife?
Marcos Salomão – Não foi um protesto, nem teatro nem um espetáculo. Foi uma ação performática, para chamar a atenção da sociedade através de uma forma mais lúdica, para um problema que perdura há anos, o esvaziamento e a decadência do centro do Recife. E que teve como elemento visual as flores e o cortejo pelas ruas.
#OxeRecife – Aos 37 anos, você integra a geração shopping-center. Tem alguma boa lembrança do centro do Recife? Da Rua da Imperatriz, por exemplo?
Marcos Salomão – Sim, tenho. A lembrança que tenho da Imperatriz é de efervescência, com movimento grande de pessoas, lojas abertas e movimentadas, padaria, tinha muito o que oferecer. Hoje quando passo lá sinto tristeza, sensação de vazio. Já vão longe as sensações de acolhimento, conforto e segurança.
#OxeRecife – Da Avenida Conde da Boa Vista do passado, quais suas lembranças?
Marcos Salomão – Tinha especial paixão pelos saudosos ônibus elétricos e de um suco de laranja que era vendido em uma carrocinha à semelhança daquelas de picolé, só que era no formato da fruta.
#OxeRecife – Alguma memória afetiva da Rua da Aurora?
Marcos Salomão – Sim. Costumava andar com meus pais por ruas Como Nova e Imperatriz pé. Mas na Aurora, sempre passava de forma mais rápida, de carro. Para mim, uma das imagens mais bonitas do centro é justamente aquela de casarões coloridos de frente para o Rio Capibaribe. Infelizmente, a via hoje é o triste retrato vivo da cidade: riqueza e especulação imobiliária de um lado, e abandono do outro.
Nos vídeo, confira imagens do “cortejo fúnebre para prédios mortos, com os sons da cidade. E, nos links abaixo, outras postagens da série #Sessão Recife Nostalgia
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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Beto Neves/ Cortejo Fúnebre para Prédios Mortos/ Divulgação
Vídeo: Henri Melo
O centro do Recife está mesmo merecendo esse ” cortejo fúnebre”…
Sou toda silêncio. Nada a comentar, só a lamentar. 🥲
Ótima iniciativa de Marcos Salomão. Tudo é válido para chamar a atenção do abandono do centro do Recife. É triste, vergonhoso, ver a nossa cidade se tornando uma cidade fantasma numa velocidade assustadora, com tantos momentos históricos belíssimos sendo degradado a cada dia.