“Pai Francisco entrou na roda / Tocando o seu violão / Vem de lá seu delegado / E Pai Francisco foi pra prisão / Como ele vem se requebrando / Parece um boneco desengonçado”. Quem brincou de roda cantando esses versos? Alguém deve lembrar desses outros: “Passarás, passarás / Mas alguém há de ficar / Se não for o da frente / Tem que ser o de trás”. Ligadas em games, nos celulares, nos tablets, as crianças do século 21 nem sabem como eram as brincadeiras da infância dos seus pais e avós. Naquela época, não havia tantas ruas calçadas, a cidade ainda era horizontal e os laços da infância eram bem mais fortes do que hoje, porque feito o dever de casa da escola, a meninada ia toda para rua. Fazer o quê? Brincar de forma coletiva.
Tinha brincadeiras de roda (e eram muitas) e outras como Garrafão, Quatro Cantos, Esconde-esconde, Cabra-Cega, Bola de gude, Academia, Amarelinha. E por que lembrei disso tudo? Bom, hoje é sexta-feira. Era o dia tão esperado pela meninada, quanto é pelos trabalhadores de hoje. Porque depois vinham o sábado e o domingo. E fim de semana era sinal de mais tempo para brincar. No quintal (que naqueles tempos eram imensos) ou na rua, claro. Lembrei, também, porque fazendo minha caminhada diária, encontrei cenas que me levaram aos tempos de infância. A primeira, no bairro das Graças, onde achei a Academia, desenhada com tinta branca em uma calçada. A gente, no entanto, a desenhava na areia com um graveto.
Por conta da Academia, minha irmã ganhou até um apelido no colégio: Chocalho. Isso porque ela colecionava algumas pedrinhas que considerava infalíveis na hora de jogar (a pedra não podia cair em cima de alguma linha do desenho). Como a lancheira era de couro forrado e dura (parecia uma caixa), quando ela pulava a Academia e lancheira chocalhava. Choc – choc- choc… A Academia e o jogo de queimado eram os prediletos no colégio. A Academia lembra a Amarelinha, pois as regras são parecidas. Em ambas, o jogador tem que chegar no “Céu”. O nome Academia como brincadeira infantiu, praticamente desapareceu. Nem no Google a gente acha, como referência ao brinquedo de antigamente. Mas Amarelinha ainda se encontra, na forma de vídeos, de tapetes emborrachados (para brincar em locais fechados). A da foto fica no Parnamirim, Zona Norte do Recife.
Mas nas brincadeiras de rua, o que a garotada gostava mesmo, era de roda, bola de gude ou cabra-cega. Eu tinha a maior frustração porque não acertava a jogar as maravilhosas bolinhas de vidro como os meninos do bairro de Casa Amarela, onde passei a infância. Ali bem pertinho da Rua da Harmonia. Nunca entendi as regras do jogo e só fazia atrapalhar (não sei se era “machismo” da molecada, que não me passou as coordenadas) do joguinho, que era um verdadeiro Clube do Bolinha. Mas o que me divertia, muito, também, eram as bonecas de pano da feira, que eu sempre gostei muito mais do que as chiques, que ganhava de presente de familiares, com marcas das fábricas Trol ou Estrela. Todas as vezes que minha mãe ia à feira, eu pedia uma boneca de pano. Que naquele tempo a gente chamava de bruxa. E ela trazia sempre. Mas me entregava resmungando: “Não sei o que tem essa menina prá gostar tanto de coisa feia”. Até hoje tenho bonecas de pano, as “bruxas”, em casa. Uso como peças decorativas.
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Texto e fotos: Letícia Lins / #OxeRecife