Nos carnavais passados – por volta de duas décadas atrás – o Bloco Nem Sempre Lili Toca Flauta fazia um roteiro romântico, saindo do Pátio de São Pedro. Percorria ruas estreitas e bequinhos dos bairros de Santo Antônio e São José, que nos pareciam encantadores, habituados que estávamos, com os nossos caminhos convencionais, no Centro do Recife, com suas largas avenidas. Era um roteiro muito especial, com as pessoas nas janelas, idosos conversando nas calçadas. Posteriormente, a concentração do bloco passou a ocorrer no Pátio de Santa Cruz, perto do qual restam alguns becos mas não tanto com a frequência que ainda se vê em Santo Antônio e São José. Ainda hoje, tenho mania de passar por esses lugares, que parecem ter parado no tempo, quando vou em locais próximos como o Pátio do Terço, a Avenida Dantas Barreto, Pátio do Carmo ou de São Pedro, Praça Dom Vital.
Saindo de alguns desses locais, com certeza, vamos passar por um dos becos que restam no Recife. Algumas vias que são ruas hoje, eram becos no passado, como a Martins Júnior, na Boa Vista. Por sugestão do historiador Jacques Ribemboim, uma de suas esquinas ganhou placa do Projeto A História nas Paredes, do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco. Hoje, quem passa pela Rua de Setembro em direção à Rua do Hospício, ali à altura do Teatro do Parque, sabe que a Martins Júnior, no passado, era Beco do Camarão.
Por que falo dos becos? É que tenho um companheiro de caminhadas – em grupos como Olha! Recife, Bora Preservar, Preservar Pernambuco Caminhadas Domingueiras, Caminhadas Culturais – que acaba de postar um relato pessoal e nostálgico sobre os becos do Recife. Veja o que diz Emanoel Correia, que passou a infância entre esses locais. Nesses tempos de Coronavírus, ele tem postado textos sobre o Recife ainda com mais frequência do que costuma fazer, em suas redes sociais.
Vejam o que ele diz sobre os saudosos becos do Recife:
Ah! Já não se fazem mais becos como antigamente. Quem andou pelo Recife dos anos de 1970, ainda pôde se vislumbrar com aquelas travessas estreitas, onde moravam famílias pobres, porém felizes. Agora imagine você entrar em um beco no bairro de São José e saber que o seu nome é Beco do Passa a Perna, pois apenas com uma passada de perna você dava de cara com a outra residência. E o Beco do Cirigado, ainda está lá, tomado pelo comércio, mais ainda estar. O famoso Beco do Veado, devido a um rico comerciante português que criava esse tipo de animal naquela localidade. O Beco do Marroquim descaracterizado, ainda resiste a mudanças. São vários, porém poucos sobraram à ganância dos energúmenos, descaracterizando bairros importantes do centro da cidade do Recife. E falar deles seria como escrever um livro que talvez em mil páginas não pudéssemos retratar toda uma vida e importância para a cidade da época. Relembrá-los, é voltar no tempo, onde uma cidade se caracterizou pela influência europeia e do Oriente Médio. Mas ainda podemos citá-los em consideração ao seu legado pioneiro na urbanização da cidade, desde quando era apenas uma vila até se tornar a capital da província, sendo eles assim distribuídos de conformidade geográfica: no Bairro do Recife existiam (Becos das Crioulas, das Miudinhas, das Torres, do Escuro); em Santo Antônio (Beco do Sarapatel, da Bomba, da Prata); São José (Beco da Panela, da Penha, do Peixe Frito, do Marisco); Boa Vista (Beco da Bóia, dos Ferreiros, da Lapa, do Vento, do Tambiá). Pois foi através de muitos becos que o Recife cresceu para depois se tornar uma cidade desenvolvida e desumanizada como hoje podemos constatar.
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Texto: Letícia Lins / OxeRecife (com Emanoel Correia/ Grupo Bora Preservar)
Fotos: Emanoel Correia / Cortesia
Em época de Pandemia, passeando no Facebook deparei- me com uma postagem do OxeRecife e curiosamente dei-me ao prazer de mudar meu roteiro e passear por aqui. Amei esse trajeto e quero voltar… sem bondes, sem trilhos, mas vou voltar…
Obrigada, Vânia. Suas palavras são um estímulo para nós.