Infelizmente a pandemia parou as atividades de muitos grupos que costumam explorar o Recife a pé. Passeios tão gostosos e instrutivos como os do Olha! Recife, do Bora Preservar, Caminhadas Domingueiras, MeninXs na Rua estão suspensos, para evitar aglomeração e contaminação pelo coronavírus. Porém, nem por isso, seus integrantes deixam de trocar ideias, informações e fotografias sobre o Recife, inclusive aquele Recife dos séculos passados.
Como sou apaixonada pela minha cidade e pela sua história, integro vários desses grupos não só nos passeios, mas também nas redes sociais. E em alguns – como o Bora Preservar – a troca de informações é imensa, frenética. Um dos mais assíduos colaboradores é o professor Emanoel Correia, parceiro de caminhadas e que diariamente faz postagens sobre coisas da cidade. Sobre assuntos diversos, e – claro – sempre interessantes. Ele aborda desde prédios históricos, restaurantes antigos, arcos que sumiram da paisagem até lendas urbanas, principalmente sobre assombrações.
Alguns dos textos nos levam a sentir nostalgia de um Recife que não chegamos a conhecer, quando a paisagem ainda não tinha os espigões de hoje. E quando o centro da cidade era habitado por prósperos comerciantes. No térreo, as lojas. Nos andares superiores, as moradias. Vejam só a imponência do prédio, onde funcionou os então famosos Armazéns do Caboclo. O bairro de Santo Antônio, infelizmente, perdeu muito da sua história e do seu passado. Mas não custa recordar.
“Quem já passou pela Rua Duque de Caxias, 86 (antigos números 340 e 350), no bairro de Santo Antônio, já deve ter se encantado com este magnífico prédio do século 19, no qual havia as figuras de dois índios em sua fachada neoclássica, que chamava a atenção de muitos. Tudo começa em 1851, com a firma do Comendador Joaquim Ferreira Guimarães, com o nome de Ferreira Guimarães & Companhia”, conta ele. O comércio era de importados de retalhadores de ferragens, cutelarias e armas. Conforme Emanoel, ali eram grandes os depósitos de materiais como ferro, aço, cobre, latão, chumbo. “A loja icônica tinha o nome de Armazéns do Caboclo, devido aos antigos sócios portugueses, que tinham a pele morena”, acrescenta. Por esse motivo, o nome do negócio teria sido associado aos índios, pela cor da pele.
Em 1884, os portugueses deixaram a sociedade. E os dois novos donos (José Augusto Álvares de Carvalho e Rodrigo Lopes Oliveira) mudam a razão social para “Álvares de Carvalho”. Em 1891, chega ao Recife outro português, Alfredo Pinto Coelho. Em 1896, ele casa com a filha do comendador, vira sócio da empresa, e termina por assumir o negócio por completo, fazendo grande fortuna na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), com a venda de ferro, armamentos e outros apetrechos, segundo lembra Emanoel. Agora a curiosidade: “A cada dia mais rico, muda o nome para “Alfredo Álvares de Carvalho”, lembra meu companheiro de caminhadas, referindo-se ao homem que decidiu chamar-se associar a sua identidade ao próprio negócio.
O empresário, no entanto, não se destacaria apenas pela excentricidade da mudança de nome e dos seu próspero comércio. Mas também, pela generosidade e pela filantropia, motivo pelo qual ganhou ele próprio, o título de “Comendador da Ordem de Cristo e da Ordem de Benemerência”. E também pelos serviços prestados à comunidade brasileira e, principalmente em Pernambuco (Gabinete Português de Leitura, , Real Hospital Português, Clube Português). Também ajudou muito sua terra natal, Mondim de Bastos, onde fez questão que ficassem seus restos mortais. Faleceu em 11 de novembro de 1942, aos 73 anos.
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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife e Emanoel Correia / Grupo Bora Preservar
Fotos: Emanoel Correia e Internet