No Grupo Bora Preservar – que explora o Recife a pé, porém com enfoque na memória da cidade e nos seus monumentos históricos – diariamente tem sempre alguém postando fotos, fatos, textos, lembranças da cidade. Um dos mais assíduos “escribas” é o professor Emanoel Correia que, dia desses, fez um relato sobre aquilo que era uma novidade no primeiro meado do século passado. “Talvez você não saiba, mas nos anos 1940, houve uma febre de sorveterias no Recife”, conta Correia. E cita algumas delas: Dudi (Parque Treze de Maio), Botijinha (Rua Matias de Albuquerque), Pérola (na Praça Joaquim Nabuco). E claro, como não poderia deixar de ser, lembrou a Sorveteria Gemba.
Correia recorda que a Gemba pertencia ao japonês Heiji Gemba, nascido em Okayama, e que chegou ao Recife em 1927, quando tinha apenas oito anos. Adulto, “abriu uma sorveteria na Praça Joaquim Nabuco (167, onde hoje há uma livraria chamada Luz e Vida)”. E completa: “Mas sofreu perseguição na Segunda Guerra Mundial, e teve seu estabelecimento depredado vindo a fechar as portas”, conta. Depois, em 1950, ele reabriu a sorveteria na Rua da Aurora, 31, perto do Cinema São Luiz”. Talvez de todas as sorveterias, nenhuma marque tanta presença nas memórias afetivas dos recifenses setentões, oitentões e noventões quanto a Gemba da Rua da Aurora (foto acima)..
“Eu ia sempre à Sorveteria Gemba, onde tomava sorvete duplo de chocolate e mangaba, acompanhado dos inesquecíveis biscoitinhos Waffles”, afirma Margarida Cantarelli, Presidente do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco. “Meu pai, Júlio Oliveira, tinha um laboratório de análises clínicas na Rua da Aurora, no trecho entre a Rua da Imperatriz e o Cinema São Luiz, na Boa Vista”. Ir ao centro com a família, tinha para ela um sabor especial, que era “o sorvete maravilhoso” da Gemba. O hábito era tão forte, que as duas famílias ficaram amigas. Margarida conhecia até as filhas do japonês. “Na guerra, ele foi muito perseguido, mas o que mais o atingiu foi uma inspeção posterior da Receita Estadual na sua sorveteria”, lembra Margarida.
“Ele era um homem muito direito, e ficou muito triste por terem colocado seu negócio sob suspeita”, conta. “E meu pai achava que foi daí que ele desenvolveu uma depressão e terminou se suicidando”. Posteriormente, os seus familiares instalaram um box para venda de ovos no Mercado da Encruzilhada, onde a família de Margarida passou a fazer compras. Outro que teve relações estreitas com a Gemba é o publicitário e escritor Joca Souza Leão. “Para os meninos da Rua Nicarágua, ele era o chinês da sorveteria”, diz, referindo-se à rua do Espinheiro onde passou a infância. “Gemba era amigo do meu vizinho, Antônio Figueira”, conta Joca. “Penso que a casa de Figueira era a única do Recife que tinha um freezer, e cheio de sorvetes da Gemba”, diverte-se Joca. “Isso nos anos 50”. Ele conta, ainda, que durante a perseguição que Gemba sofreu na época da Segunda Guerra, Figueira o escondeu em Garanhuns, em propriedade da família.
“Sim, recordo da Gemba, após as sessões do Cinema São Luiz. Minha mãe tomava sempre sorvete de mangaba, mas eu não gostava porque ficava com os lábios colando um no outro”, lembra a jornalista Conceição Campos, referindo-se a um dos mais icônicos cinemas do Brasil, e o mais querido dos pernambucanos, que fica na Rua da Aurora. A mesma da Gemba.
Ela lembra que preferia o sorvete de chocolate e, claro, o fino biscoitinho, que era famoso no Recife. Eu era criança, mas tenho muito firme na memória a imagem da Sorveteria Gemba. Era o destino mais aguardado aos finais das sessões domingueiras do São Luiz, onde assistíamos saudáveis filmes de desenho animado como Tom e Jerry, ou os clássicos de Charles Chaplin, que a gente chamava de Carlitos. Ou as comédias com as trapalhadas de O Gordo e o Magro, que ninguém nem mais fala deles. Lembro das taças de inox em que os sorvetes eram servidos e do biscoitinho maravilhoso, que eu devorava com sorvetes de abacate e ameixa. Também recordo que quando meus pais iam ao cinema, no centro, em sempre fazia o mesmo pedido: “Tragam biscoitos do Gemba“, pois eu trocava o “A” da sorveteria pelo “O” do japonês famoso.
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Texto e fotos: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos de época: Pesquisa de Emanoel Correia na Internet / Grupo Bora Preservar