Confesso que não conhecia bem o artista Renato Jorge Valle, mas juro que fiquei encantada com a riqueza, a qualidade e a variedade do seu trabalho, agora acessível em livro, para quem gosta de arte. É que a Companhia Editora de Pernambuco (Cepe) está lançando nesse sábado (17/05), o título “Renato Vale”, através do qual o leitor pode empreender uma verdadeira “viagem” ao processo criativo do artista. O lançamento – junto com abertura de exposição – ocorre a partir das 15h, no Mamam, que fica na Rua da Aurora, no Centro do Recife. Com 292 páginas, trata-se do primeiro grande e merecido livro sobre a obra do pernambucano, que dedica a vida às artes desde 1979.
Nascido no bairro da Boa Vista, no Centro do Recife, em 1958, ele é o caçula de uma família de seis filhos. E desenhista, pintor, gravurista, escultor, e consagrado nos diversos usos de linguagens e técnicas. Desde criança, sempre revelou a queda pelas artes plásticas, porém o futuro que os pais tinham reservado para ele era outro: a arquitetura. Uma vez, um amigo dos seus parentes chegou a ironizar a escolha diferente. “Quer dizer que você é o vagabundo da família?” Foi difícil ouvir isso, mas ele seguiu em frente, principalmente após ganhar um amigo que muito o estimulava: Zuleno Pessoa, que também era artista, e o aconselhou a se “profissionalizar na arte”. E foi o que ele fez. A sua trajetória está esmiuçada em oito textos de autoridades no assunto, que vão de críticos a curadores, de artistas visuais a professores, de jornalistas a pesquisadores. São eles: Joana DÁrc Lima (“Renato Valle, Constelações”); Moacir dos Anjos (“Bandido bom é bandido morto”); Agnaldo Farias (“Renato Valle sem retoques”); Lilian Maus (“Ensaios sobre dádiva, expurgo e promessa: a paixão silenciosa de Renato Valle”); Marcus Lontra (“A arte, a infância e a perversão”); Renata Bittencourt (“Figurações da Vida e da Morte em Renato Valle”; Diogo Dobbin-Todë (“Renato Valle a perspectiva do artista-professo”); Bruno Albertim (“Renato Valle: fé numa vida que arranha”). Valle é reconhecido como um dos principais nomes da arte contemporânea nacional. O título integra o catálogo de Arte da editora pública.
O interessante é que os textos (intercalados por fotografias de obras e objetos citados no livro) se complementam, e nos ajudam a entender a trajetória do artista, desde a vida pessoal, as convicções religiosas, as inquietações, o senso estético, a escolha de temas que o levaram a produzir séries, o lado professor do artista.
Há, também, curiosidades, como a influência de uma agulha de tricô que herdou da mãe em fases do seu trabalho. Ou o terrível medo de morrer, ainda menino, no colégio, quando um coleguinha disse que ele estava com “pecado mortal”, por não ter se confessado nem feito a primeira comunhão. “Fiquei lutando para não dormir, porque achava que ia morrer”.

A experiência da época de menino o levou a vivenciar a religião “como um problema” por longo tempo, contou a Bruno Albertim, que assina sua biografia no livro. A religião voltaria a inquietar o artista mais tarde, quando “imbuído da mística de ex-votos”, consegue uma residência para projeto de pesquisa sobre o tema. Com apoio do Governo estadual – via Salão de Artes Plásticas de Pernambuco – percebe que a expectativa se transforma em decepção, ao observar as práticas no Santuário de Santa Quitéria, em Garanhuns, a 230 quilômetros do Recife.
”Fiquei impactado com exploração tão grande da miséria e fé”. É que ele percebeu que comerciantes vendiam ex-votos que, após depositados pelos devotos aos pés da Santa, devido a graças alcançadas, eram recolhidos e novamente comercializados. Resultado: do mesmo jeito que um jornalista vira a matéria quando descobre algo mais impactante que o previsto, Renato “virou” o projeto inicialmente chamado de Santa Quitéria. E criou “Diário de votos e ex-votos” e “Cristos anônimos”.

Estão assinaladas no livro, entre outras, uma exposição de pinturas na Galeria Officina (Recife, 1986), as mostras Objetos inúteis (Galeria Vicente do Rego Monteiro, 1996) e Religiosidade e política na obra de Renato Valle (Galeria Janete Costa, 2017), as séries Augusta com Itu (Residência em São Paulo, 2013), Gludsted (Residência na Dinamarca, 2019) e Retratos de Quarentena (Revista Bandido bom é bandido morto, 2020). “Você tem em suas mãos um resumo substantivo da extensa trajetória artística de Renato Valle”, declara o professor na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo Agnaldo Farias, que assina o texto Renato Valle, sem retoques.
A exposição de Renato Valle no Mamam fica em cartaz de 17 de maio a 17 de agosto, com onze obras inéditas. A última individual que ele realizou foi em 2022, no Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul. No Recife, sua última mostra ocorreu em 2019, na Arte Plural Galeria. Realizou individuais e participou de coletivas no Recife (PE), Rio de Janeiro (RJ), em São Paulo (SP), Florianópolis (SC), Belém (PA) e Curitiba (PR), além de Portland e Nova Iorque (EUA). Foi contemplado em salões, oficinas, residênciasno Brasil e no exterior.
Nos links abaixo, mais informações sobre artistas pernambucanos ou que atuam (ou atuaram) em Pernambuco.
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Serviço
O que: Lançamento de Renato Valle e abertura de exposição, com obras do artista
Quando: 17/05 (sábado)
Hora: 15h
Onde: Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães (Mamam), à Rua da Aurora, 265, Boa Vista, Recife
Preço: R$ 170 (impresso)
Entrada gratuita
Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Leopoldo Conrado Nunes, Cepe e acervo do artista