José Flávio Cordeiro da Silva. Você conhece? Provavelmente vai dizer: não. Mas se eu disser Miró da Muribeca, claro, todo mundo sabe quem é. Talvez o mais conhecido poeta das ruas do Recife. Há quem diga que ele é um dos destaques da chamada poesia marginal, que surgiu nos anos 1980 na nossa cidade, e que revelou excelentes poetas. Mas Miró não gosta de rótulos, e prefere ser tido como “independente”. No último sábado, ele falou de sua vida e seu trabalho na Academia Pernambucana de Letras, em mais uma edição das chamadas Rodas de Conversas, projeto coordenado pelo escritor e acadêmico Cícero Belmar.
E na quinta (16), o poeta vai à Universidade Católica de Pernambuco para discutir, mais uma vez, a sua vida e sua obra. Na Unicap, Miró estará a partir das 17h, no térreo do Bloco G. Mas tem mais. Ele é o grande homenageado do XVI Festival Recifense de Literatura – a Letra e a Voz, que tem início no próximo dia 24, no Boulevard Rio Branco, no Bairro do Recife. E Miró estará lá, mais uma vez para conversar com o público. Só que para participar da abertura, em bate-papo com o escritor Sidney Rocha, às 17h. Recitando seus poemas, contando seus casos, as coincidências que acontecem em sua vida. Em 2018, o Festival tem como tema A Cidade do Poeta e o Poeta da Cidade. Então, nada melhor do que dedicar o evento a Miró, um poeta que é tão a cara do Recife. Ou seja, o poeta da cidade. Uma cidade em que ele expõe em seus versos. Com veias e feridas.
Se Miró é um poeta, é também um grande contador de “causos”. Na maior parte das vezes, envolvendo sua própria vida. Na biografia oral, faz questão de relatar que começou a vida lavando banheiros da Sudene, quando costumava declamar. Um dia, a poetisa Maria do Carmo Barreto Campelo – que lá trabalhava – ficou impressionada com os versos de Miró e os publicou em um jornal local. Pouco depois, viabilizaria a edição de um livro. Convicto do que queria, Miró deixou o trabalho, pediu demissão. Botou os livros debaixo do braço e disse à sua protetora: “Vou ser poeta”. E foi. Passou a viver dos livros que vendia pela ruas, conseguindo, sempre, alguém que o ajudasse a publicá-los.
“Um homem que, como eu, vive na periferia, e é homenageado pela única coisa que sabe fazer, que é a poesia, só pode comemorar isso como felicidade muito grande”, disse, no último sábado na APL, diante de intelectuais, admiradores e amigos, como Cida Pedrosa e Sennor Ramos. Sennor organizou Miró até agora, livro reunindo a obra quase completa do poeta das ruas do Recife. E o que ele ouve na rua, sempre lhe rende poesia: como o assassino comentado por um homem que matou outro por engano. Ou a briga que assistiu entre um homem e uma mulher, moradores de rua. Ele julgou que a discussão fosse por droga, mas era por um pedaço de papelão para pudessem dormir com mais conforto na calçada.
No texto em que mostra o motivo da escolha de Miró, para ser homenageado no A Letra e a Voz, os curadores do Festival o colocam junto com grandes nomes da Literatura no mundo: “A experiência urbana é ambígua e diversa, em seu seio se formou algumas das mais importantes produções literárias, que em palavras transfiguravam a incógnita que são as metrópoles. A Paris de Baudelaire. A Londres de Dickens. O Rio de Janeiro de Lima Barreto. O Recife de Miró. Este último, autointitulado cronista da cidade, é um dos que melhor canta sua grandeza e sua baixeza”. Na sexta, 24, após a conversa com Sidney e Miró, a Academia Pernambucana de Letras apresenta no Festival o Projeto Roda de Conversas – Conhecendo mais e melhor o Recife. Apresentação será de Cícero Belmar e Jorge Siqueira, às 19h. Belmar levou Miró à APL, para o Projeto Roda de Conversas no último dia 11 (na foto com a Presidente da APL, Margarida Cantarelli). E Miró deu show. Todo mundo gostou. E se divertiu. Com o seu talento e bom humor. Vejam os versos de Recife: “cidade das pontes/ e das fontes/ de miséria/ poetas mendigando passes para voltar para casa/ e sua poesia passando despercebida/aliás/ nem passa.”
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Texto e foto: Letícia Lins / #OxeRecife