O estardalhaço foi grande. O Recife tornou-se a primeira capital do Brasil a garantir merenda para as crianças da rede municipal de ensino, que desde ontem estão impedidas de ir à escola, por conta da pandemia do coronavírus. Mas as reclamações também são grandes. Hoje, na minha caminhada matinal, ouvi a primeira queixa quanto os kits destinados a garantir a segurança alimentar das crianças. “Minha vizinha foi à escola buscar o kit alimentação e tudo que recebeu foi uma bolsa de leite e duas goiabas”, disse-me uma mãe. “Ela devolveu o kit à escola e mandou doar à merendeira”, acrescentou, enquanto se dirigia à escola dos filhos, na Avenida Norte, no bairro da Macaxeira na esperança que teria melhor sorte.
No Sítio dos Pintos, também houve insatisfação. “Todo mundo está insatisfeito, pois a informação que circulou aqui foi que a gente receberia uma cesta básica”, contou a mãe de uma criança de cinco anos, matriculada no Colégio Municipal Mundo Esperança, localizado naquele bairro da Zona Norte. Em nenhum momento, no entanto, a Prefeitura divulgou que doaria cestas básicas para todos os pais, embora habitualmente os estudantes tenham direito a refeições que incluem o feijão e o macarrão. A informação divulgada foi que merenda seria assegurada. Mas o problema, segundo as mães, é que a quantidade distribuída só atende a dois lanches. “Ganhei duas laranjas, uma maçã, uma goiaba, biscoitos, uma bolsa de leite”, informou ao #OxeRecife, a mãe que pediu para não se identificar. “E não veio o material de limpeza prometido”. Segundo a Prefeitura, a cesta básica para preparo de alimentação quente foi destinada apenas às creches e a escolas que funcionam em tempo integral.
De acordo com a mãe, ela foi orientada a voltar lá na quarta-feira da próxima semana.“No entanto, o lanche só dá para hoje de tarde e amanhã”, revelou. Mas a Prefeitura explicou que os alimentos entregues aos pais estão valendo pelos lanches de quarta (18), quinta (19), sexta (20) e segunda-feira (23). A mãe ouvida pelo #OxeRecife não trabalha e o marido tinha carteira assinada. Mas atualmente está desempregado, motivo pelo qual a merenda da escola assume importância grande, na dieta do filho. Ontem a Prefeitura informou que seriam distribuídos hoje 90 mil kits alimentação (270 toneladas de alimentos), e um outro de produtos de limpeza (sabão, água sanitária, detergente, desinfetante). Mas algumas escolas não estavam distribuindo esses materiais, tão importantes para evitar a propagação do vírus. Quem tinha algum trocado no bolso tentava – pela manhã – comprar álcool em gel nas farmácias ou mercadinhos da Zona Norte, por onde caminhei nas ruas desertas dessa quarta-feira.
No Mercadinho Buriti – tenho dado preferência aos de bairro, que não possuem ar condicionado – não havia um só álcool gel na prateleira. Os funcionários me informaram que antes da pandemia vendiam no máximo dois por mês. Hoje, colocaram duas caixas, cujas 24 garrafas já tinham voado às 9h da manhã. “Telefono para a distribuidora, mas os fornecedores nem me ouvem mais, dizem apenas que não têm álcool gel e desligam logo o telefone”, contou Inaldo Florêncio, proprietário do mercadinho. Ele recebeu as duas caixas do álcool gel na noite de terça-feira. A mercadoria, a R$ 11,20 não chegou para quem quis. Tomara que não comece a faltar o sabão amarelo.
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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: foto da leitora (mãe de aluno) e Andréa Rego Barros/ PCR