Qual a origem dos bacamarteiros?

Embora não muito comuns no Recife – mas com grupos atuantes no interior – os bacamarteiros usam roupas de mescla  e chapéus de couro que lembram os dos cangaceiros, que tanto agitaram os sertões do Nordeste no início do século passado. Desfilam em grupos,  na cadência da zabumba, do triângulo, da sanfona e do pífano. E ao contrário dos cangaceiros que eram chamados de bandos, os bacamarteiros  formam “batalhões” inspirados não na bandidagem, mas na hierarquia militar.  No entanto, suas “armas” não são rifles nem revólveres, mas sim o bacamarte que serve para disparo de tiros estrondosos nas festas populares e religiosas, principalmente nas do mês de junho. Qual seria, no entanto, a origem desses grupos que tanto chamaram a atenção no último sábado, durante a Procissão dos Santos Juninos que aconteceu no Recife?

Para alguns, eles teriam surgido no século 19, no retorno da Guerra do Paraguai. “Parece-nos perfeitamente legítimo supor que esses batalhões de bacamarteiros sejam a dramatização inconsciente daquela primeira festa da vitória promovida pelos sorteados de 1865, ao voltarem às suas vilas depois da Guerra Cisplatina”, afirma Olímpio Bonald Neto, no livro Bacamarte, Pólvora e Povo, um clássico sobre o assunto. “Com esta aceitação do problema, a tradição sertaneja dos bacamarteiros poderá se incorporar ao Ciclo Folclórico da Guerra do Paraguai, estudada pelo Professor Paulo de Carvalho Neto”, completa. No seu livro, o pesquisador colheu depoimentos de vários integrantes desses grupos, que reforçam a sua tese. Um deles, Eliel Alves de Azevedo, o “Eliel, do 333”, foi bem enfático. “Quando acabou a guerra do Paraguai, os granadeiros voltaram às suas terras com suas armas e os seus fardamentos e  ao chegarem no meio dos povoados, na frente a Igrejinha, anunciavam o fim da grande guerra atirando, em saudação ao Santo Padroeiro”.

Eliel foi ouvido aos 59 anos, nos anos 60 do século passado, quando Olímpio escreveu o livro, que foi publicado pela primeira vez em 1966 e é considerado até hoje a obra definitiva sobre essa manifestação. Mas há um fato curioso com relação aos bacamarteiros. Na década de 1960, durante os anos agitados das chamadas Ligas Camponesas, jornalistas inescrupulosos publicavam em jornais do Sul fotografias desses grupos com suas “armas”, atribuindo-lhes falsamente a função de “guerrilheiros comunistas” a serviço do então Governador Miguel Arraes (1906-2005), cuja primeira gestão foi mercada por turbulências sociais em Pernambuco.  Política e mentiras à parte, o costume de participar de festas religiosas ainda é muito comum, onde eles fazem seus disparos de pólvora seca em homenagem aos santos.

Olímpio refere-se a toda uma “hierarquia” existente nos grupos, “com as suas granadeiras,os seus majores, capitães e sargentos” e também a toda uma “rígida disciplina, a sua hierarquia de caserna, as suas fardas azuis” (foto ao lado). Também cita “a coincidência das numerações dos seus batalhões com as numerações dos batalhões do exército regular sediados em Pernambuco”. Ele lembra que “as granadeiras que serviram na Guerra do Paraguai, em 1865, sofrem mutilações que as adaptam ao uso dos bacamarteiros nas festas do interior pernambucano”.

É claro que o tempo muda, e os bacamartes de hoje já não são os reutilizados da guerra, mas sim os artesanalmente fabricados para o folguedo. Embora em  grande parte dos casos, a tradição tenha atravessado gerações. “A arma se transmite de pai a filho e, com ela, o orgulho do bacamarteiro e sua ascendência sobre os demais”. No último sábado, durante o Desfile dos Santos Juninos no Recife, um grupo de bacamarteiros do Cabo de Santo Agostinho (Região Metropolitana) fez vários disparos durante o cortejo: no seu início (no Morro da Conceição), durante o desfile a na chegada ao Sítio Trindade, em Casa Amarela, quando  fizeram uma roda e efetuaram os disparos. Estes, em homenagem a Santo Antônio, São João, São Pedro, Santana, Santa Isabel e, claro, São João.

Veja o vídeo do momento dos disparos dos bacamarteiros, ao chegar no Sítio Trindade:

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Texto e vídeo: Letícia Lins / #OxeRecife
Foto:  Letícia Lins e Cris Botelho / MeninXs na Rua/ Cortesia

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