Dizem os entendidos que o Recife é a cidade mais mal assombrada do Brasil. Isso é bom ou é ruim? Para Roberto Beltrão, especialista no assunto, é mais do que bom. ” Acho que é ótimo. Mostra que a cultura da cidade é rica, que o imaginário tem força no nosso patrimônio imaterial”, diz o criador do site Recife Assombrado. E quais são os locais mais assombrados do Recife? “O Teatro Santa Isabel, o Forte das Cinco Pontas, a Cruz do Patrão e o prédio do Arquivo Público”, afirma. E os bairros de São José e o Poço da Panela estão entre os que mais colecionam lendas urbanas.
O Recife, portanto, é pródigo nesse tipo de narrativa. E há pessoas que acreditam. Em Apipucos, onde resido, tem gente que ainda fala em lobisomem. E há sempre uma lenda urbana rolando. Qualquer fato a uma delas relacionado – filme, passeio turístico, roteiro de caminhada – é sucesso certo na nossa cidade, onde assombrações viram tema para passeios turísticos, caminhadas, discussões e até diversão infantil. E o Recife, claro, é rico nesse assunto que tanto alimenta o imaginário popular. Para Roberto, só na nossa cidade ocorrem fatos como os de alguns lugares que ganhavam
seus nomes por causa das histórias de assombração. Dois exemplos: as praças Encanta Moça (Pina) e Chora Menino (Boa Vista).
E por que as histórias de assombração alimentam tanto o imaginário pernambucano? Roberto Beltrão lembra que o Gilberto Freyre (autor do livro Assombrações do Recife Velho) achava que há uma relação estreita das assombrações com a sociedade patriarcal que se formou em Pernambuco, em torno da lavoura açucareira e da figura então poderosa do senhor de engenho. “O Recife era cercado de engenhos. A casa grande era sempre assombrada, havia muita opressão do senhor de engenho”, lembra o pesquisador. Ele acrescenta:
“Nessa estrutura patriarcal, existia uma espécie de catolicismo mediúnico, característico do Brasil, que também é uma herança portuguesa. Na casa grande havia uma hierarquia que era Deus, os santos e os mortos, para depois virem os vivos. E também os sobrados na área urbana eram assombrados. A obra mais conhecida do escritor Carneiro Vilela, A Emparedada da Rua Nova, retrata uma situação fictícia, mas com ecos de realidade: o sujeito que emparedou a filha, ao ficar com raiva porque ela não era casada. Depois, ele passou a ver o fantasma dela na Rua Nova, Centro do Recife”
Para muitas pessoas, a emparedada é, ainda hoje, uma história real com assombração verdadeira. Tem gente que até teme passar à noite na Rua Nova, onde a donzela ferida em sua honra teria sido colocada viva em uma parede, e depois coberta com cimento. Roberto lembra, ainda, que no Recife “muitas ruas são assombradas” por personagens que habitam o imaginário popular como a Perna Cabeluda, o Papa-figo, a Galega de Santo Amaro. Mais histórias de assombração podem ser conferidas no Site Recife Assombrado, criado em 2000 pelo jornalista e que tem objetivo de recontar lendas e histórias assombradas de Pernambuco e, em particular, do Recife. O assunto já rendeu livros, HQs, teatro, cinema e até podcast. “O projeto não deixa que as assombrações sejam esquecidas e cria novas formas de divulgar nosso imaginário fantástico”, diz. Que é divertido, ah, isso é… E muito.
Recentemente, a Folha de Pernambuco fez entrevista com Roberto Beltrão sobre as assombrações do Recife e do Forte das Cinco Pontas. O vídeo, disponível no YouTube é repicado aqui:
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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Letícia Lins (#OxeRecife), Denaldo Coelho (Preservar Pernambuco)