O trecho da rua da Alliança é curto. São apenas quatro imóveis ao longo da extensão que vai da Praça de Apipucos a um beco que dá acesso à comunidade do Areal, que fica à margem do Rio Capibaribe. Mas é um retrato do que ocorre com a arborização no Recife, cidade onde as árvores são erradicadas e dificilmente ganham reposição. Três árvores da rua já foram degoladas, duas das quais sucumbiram por completo. A terceira tenta sobreviver.
No final dos anos 1980, a via não possuía nenhuma árvore. Era uma aridez só, apesar do bucolismo do bairro de Apipucos. Então, quando cheguei, plantei três pés de pau-brasil ao lado da calçada. Um deles, no entanto, foi roubado. Tiraram bem direitinho . A pessoa que levou deve gostar de plantas. É que retirou o vegetal, com carinho, preservando raízes e levando substrato necessário à sua sobrevivência. Depois, plantei uma palmeira. Mas considerei que a via ainda não estava bem arborizada.
Por esse motivo, solicitei posteriormente ao poder público mudas de outras árvores que fossem compatíveis com o espaço, já que a rua é curta e estreita. Vieram, então, três acácias clitorianas, que são plantas que fornecem sombras generosas e crescem com rapidez. Destas, uma – que ficava ao lado de minha casa – foi removida a pedido de uma vizinha, a antropóloga Ciema Mello. Desde então, a temperatura interna de minha residência aumentou dois graus, nos dias de verão, em relação aos sombrados dias dos verões anteriores. Como a planta parecia incomodá-la, não coloquei nenhuma outra no local. Nem solicitei reposição à Prefeitura.
A vizinha achava que a árvore poderia cair. Então, solicitou à Emlurb a erradicação. Como não foi logo atendida, entrou com ação na justiça, solicitando que a planta fosse imediatamente removida. A Justiça acatou a solicitação e determinou que a árvore fosse removida em 24 horas. Detalhe: a árvore esperou dois anos sem tombar. Posteriormente, a segunda acácia, situada no lado oposto, foi bichada. O cupim a roeu totalmente e a artista plástica Lorane Barreto pediu erradicação, sendo atendida. A planta ficava em frente ao seu ateliê. A motosserra insana veio, torou a árvore no meio e deixou os cupins à solta, fervilhando no tronco degolado. Fiquei indignada com o descuido da Emlurb, pois embora sejam muito úteis nas matas, os cupins são uma praga em áreas urbanas. E quando entram nas nossas casas, já sabem, não é….
Quando a empresa chegou, veio com ordem para erradicar as duas árvores restantes. A que fica na frente do ateliê da artista, cujo corte fora solicitado. E uma outra que está no lado da minha casa, para a qual eu não pedira guilhotina. Não deixei que a planta fosse assassinada como as duas anteriores. Pedi à equipe enviada pela Emlurb apenas que fosse realizada a poda. Posteriormente contratei um serviço particular para tratar da árvore e as doenças que tinha. E ela sobreviveu até hoje. O destocamento do tronco degolado da árvore na frente do imóvel de Lorane passou meses para que fosse feito. Após o destocamento, ela plantou um pé de pau-brasil, que ainda está em crescimento, porém com altura ainda inferior a 1,6 m. Ou seja, ainda levará um longo tempo para desempenhar o mesmo papel da árvore que foi exterminada.
Mas, neste ano, a última acácia sobrevivente apareceu com orifícios no tronco. Fui procurada por Ciema, que falou da necessidade de “poda” da acácia restante, contratando um serviço particular. Me informou que a árvore estava doente e poderia cair sobre a casa dela. Que emitia formigas mordedeiras em quantidade… Perguntei se o caso já tinha sido levado à Emlurb e pedi o número do protocolo. De posse dele procurei saber como estava o andamento de tal processo. A Emlurb me informou que o protocolo estava no prazo de atendimento. Enviei, então, um bilhete à vizinha, informando que não cortaria a árvore antes do parecer oficial. Ela me disse que não ia esperar. E, no domingo seguinte, mandou uma motosserra particular fazer o serviço. Pelo visto, uma motosserra insana mesmo. Quando cheguei da rua, após a caminhada de domingo, o estrago estava feito.
Quando vi, a última acácia responsável pelo conforto térmico da rua estava assim: pelada (foto superior). Deu uma pontada no estômago e uma dor no coração. E a temperatura interna de minha casa só fez subir ainda mais. Desde este dia, não consegui manter mais o diálogo com quem autorizara semelhante violência. Fiquei muito triste porque ao meu ver, o que foi feito não foi poda. Mas mutilação. Desde criança, cultivo um amor grande às árvores. E, pela lei, as de áreas públicas devem ter manutenção e poda a cargo da do poder municipal.
Se não fosse assim, todo mundo se acharia no direito de arrancar as árvores, de cortá-las como bem entender, ao sabor dos próprios temores e interesses. Não é qualquer amador que deve fazer o corte. E essa “poda” na Rua da Alliança é apenas mais uma prova. Assim, chegamos ao número 300 de nossos posts da campanha Parem de derrubar árvores, computando-se -só aqui no #OxeRecife – 555 registros de árvores que sumiram do mapa no Recife desde 2017. Todas documentadas com foto, endereço e data. O corte da do post de hoje não é tão recente. Mas é que foi tão doloroso para mim que, antes, fiquei sem conseguir falar no assunto. Felizmente, algumas folhas começam a aparecer de novo porque a natureza é mesmo sempre muito generosa.
Nos links abaixo, você pode conferir outras perdas de árvores em Apipucos.
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Texto e fotos: Letícia Lins / #OxeRecife