A simbiose entre a Igreja e os terreiros

Residindo na Bahia – onde faz Doutorado em Cultura e Sociedade – Fernando Batista me envia fotos, informações e até vídeos da décima segunda edição da Caminhada Azoany, que movimentou Salvador na sexta-feira. E como qualquer festa religiosa que acontece naquele estado, os povos de terreiros e da Igreja Católica se misturam. Assim como seus santos, suas divindades. Meu amigo, que é antropólogo, prefere não chamar essa simbiose de “sincretismo”, como costumamos defini-la aqui em Pernambuco. Mas sim de “justaposição” ou “interface”, como veremos a seguir.

Pergunto a ele se na Bahia praticamente não existe festa religiosa sem a presença dos correspondentes no chamado “sincretismo”, ou se estou enganada. “Não, não está. Mas falar em sincretismo é problemático, porque os povos de axé sabem muito bem quem é Omolu e quem é São Lázaro. Quem é Yemanjá e quem é  Nossa Senhora da Conceição. Quem é Yansã e quem é Santa Bárbara. Quem é Ogum (São Jorge no Recife) e quem é Santo Antônio (Ogum, na Bahia). E apreciam tanto ir à igreja quanto ao terreiro”, esclarece. “Então, em vez de sincretismo poderíamos falar de justaposição, interface”, afirma meu amigo. Muito sábio, não é?

 

Na minha última viagem à Bahia, por várias vezes observei essa “justaposição”, que é muito mais acentuada lá do que em Pernambuco. Na Cerimônia dos Ojás, por exemplo, havia  representantes dos católicos, dos evangélicos, dos budistas, dos espíritas e de outras religiões. Eu a assisti, em novembro passado, no Terreiro do Gantois. Já a missa que ocorre às terças, na Igreja Rosário dos Pretos, no Pelourinho, é outro exemplo disso. A liturgia, que já virou atração turística – cheguei duas horas antes para assistir sentada – tem participação de católicos e filhos e filhas de santos. E mistura rituais e credos da Santa Madre com os ditados pelos orixás, inquices e voduns.

E aí, Fernando me explica mais uma vez a origem das divindades herdadas da África: orixás são divindades da Nação Keto; inquices, oriundas de Angola. E voduns, vieram da Nação jeje.Caminhada Azoany da sexta-feira mostrou, mais uma vez, como se aproximam os cultos aos santos católicos aos  das divindades cultuadas nos terreiros. O cortejo saiu do Pelourinho  e foi até o Santuário dedicado a São Roque e São Lázaro (eu pensava que era só São Lázaro), que fica no bairro da Federação. Ou seja, a festa do 16 de agosto foi dedicada a São Roque e não a São Lázaro, como eu havia entendido anteriormente. A Caminhada é promovida há 22 anos pelo Candomblé (a de São Lázaro ocorre em data móvel, em janeiro). No fim do cortejo, como é comum em Salvador, tudo se mistura. “O culto para os orixás só acontecem nos terreiros. Mas o cortejo Azoany finda em frente da igreja, no bairro da Federação. Enquanto isso, na igreja, ouvem-se cânticos católicos. E muitas pessoas que participaram do cortejo entram na igreja e passam a reverenciar São Roque” pelo Candomblé, observa.

Veja mais imagens do cortejo na galeria:

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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos e vídeo: Fernando Batista / Cortesia

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