História: Os pioneiros cemitérios dos ingleses

No ano passado, estive em Salvador, onde visitei o belíssimo Cemitério dos Ingleses (foto). Tão bonito –  e localizado em área privilegiada – que terminei fazendo uma postagem sobre ele aqui no #OxeRecife. Logo  o historiador Bráulio Moura – especialista em história do Nordeste – me informava que os cemitérios dos ingleses de Salvador, Rio de Janeiro e Recife têm origem no século 19, quando não havia cemitérios públicos. Naquela época, os corpos eram sepultados nas igrejas, mas esse espaço era destinado aos católicos.  Só que os ingleses que chegavam ao Brasil – para implantar linhas férreas, obras de saneamento e de eletricidade – eram protestantes.  E não poderiam, portanto, ser enterrados nas igrejas.

Mas ingleses também morriam. E precisavam ser enterrados. Normalmente endinheirados – pois vinham a serviço de empresas do seu país – terminaram sendo beneficiados pelo Tratado Geral de Navegação e Comércio entre Brasil e Inglaterra, assinado em 1810.”Previa o artigo 12 a destinação de espaços adequados para sepultamento dos ingleses, que eram protestantes não podiam ser enterrados em igrejas católicas”, lembra o pesquisador.

“Em 1814, na gestão do então governador Caetano Pinto de Miranda Montenegro e ordenado pelo Príncipe Regente Dom João IV, ficou acordado que na Freguesia de Santo Amaro das  Salinas seria doado ao Cônsul Inglês um pedaço de chão para a construção do cemitério”, lembra um outro pesquisador, Emanoel Correia, do Preservar Pernambuco, em postagem nas redes sociais do grupo, que tem objetivo de resgatar fatos históricos. Em 1814, o Cemitério dos Ingleses era, enfim, inaugurado  no Recife (foto ao lado, E.C).

“No Recife do século 19, as igrejas nem tinham bancos. E as pessoas assistiam a missa em pé, sobre tampas (chamadas de campas naquele tempo), sob as quais jaziam os corpos de parentes, amigos, moradores da cidade”, conta Bráulio (foto à direita). “Naquela época, não se usava caixão para os enterros. Eles eram colocados no velório e, depois, devolvidos às funerárias”, explica o historiador, que atua na Secretaria de Turismo do Recife. “Em dias de chuva, o mau cheiro era insuportável no interior das igrejas, e havia epidemias de cólera, varíola, malária. Os mortos somavam milhares, e não tinha onde enterrá-los”, relata. Conta o historiador que em 1825, surge decreto imperial “exigindo medidas higiênicas e criação de cemitérios fora das cidades e das igrejas”. Em 1828, o decreto ganha dimensão nacional.  E desperta polêmica entre os católicos, que queriam se enterrados “perto de Deus”.

Em 1832, as câmaras municipais começam a discutir o assunto, puxando para os municípios a discussão sobre os sepultamentos junto às igrejas. Finalmente, em 1851, é inaugurado no Recife o Cemitério Público de Santo Amaro. “Então, começa o conflito entre as irmandades religiosas e as agências funerárias”, lembra Bráulio. E acrescenta: “A população resiste aos enterros fora dos templos e na Bahia houve até revolta popular”.  Relata que, no Recife, houve discussões sobre o enterro dos não católicos (adeptos de religiões diversas, duelistas, pagãos e suicidas) com questionamentos quanto ao fato dos cemitérios serem ou não laicos. E por que o #OxeRecife está falando dos cemitérios? Por conta da história curiosa e porque já foram roteiro do Projeto Olha! Recife. E em breve, serão o destino do Grupo Caminhadas Culturais. Sem falar que, nesta semana, viraram assunto de postagem do Grupo Preservar Pernambuco, através de pesquisa do Professor Emanoel Correia. A diferença é que enquanto o Cemitério dos Ingleses de Salvador é tratado como atração turística, o do Recife vive segregado por um muro protegido por arame farpado. E haja história.

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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Letícia Lins (Salvador), Emanoel Correia (Recife) e Arquivo Pessoal (Bráulio Moura)

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