Os novos “artistas” da pandemia

Durante o isolamento social, teve muita gente descobrindo novos talentos. Houve quem perdesse o emprego e resolvesse atuar em outra área. Alguns se viraram como artesãos, outros nem sabiam que eram excelentes cozinheiros. E assim, passaram a ganhar a vida de outra forma bem diferente daquela que estavam acostumados. Um exemplo foi Aguinaldo Silva. Despedido do emprego na cozinha de um restaurante, passou a confeccionar jarros, a curtir o plantio de mudas e terminou por fazer da nova atividade, também, um novo negócio. Outro que aproveitou o isolamento social para se dedicar ao cultivo foi Fábio Cabral de Melo, da Loja Passa Disco, que fica na Galeria Hora Center, no Espinheiro. “Sem sair de casa, foi minha grande terapia”.

Durante um longo tempo, Fábio dedicou-se a executar projetos de jardinagem, o que fez entre 1990 e 2005.  Houve um período que conciliava as duas atividades, os jardins e a loja.  Até que as demandas comerciais em sua  famosa Passa Disco o absorveram por completo. Com aloja fechada devido à pandemia, voltou a dedicar-se integralmente às plantas. Agora com a reabertura, decidiu lhes abrir espaço maior na própria Passa Disco, conhecida por ser um foco de resistência da MPB.  Fabio cuida das plantas com a mesma dedicação dos seus projetos musicais. “Agora vendo discos e plantas”, afirma. A oferta verde vai de vários tipos de imbés a espadas de São Jorge (uma de suas preferidas). “Escolhi as mais resistentes”, comenta. Ele também está comercializando ervas, como alecrim e manjericão. Estas custam R$ 5. Mas há opções com preços até R$ 50. “As plantas estão em suportes decorativos, confeccionados de artistas plásticos ou artesãos”.

Ou seja,  Fábio oferece uma boa sugestão para o comprador de CDs injetar verde em sua casa. Houve, também, pessoas que desenvolveram habilidades novas, longe do interesse comercial, mas apenas para ocupar o tempo e driblar o isolamento social. Caso da jornalista Conceição Campos, que passou a decorar as caixas de queijo Catupiry, usando tintas e pincéis (foto maior). “Não vejo o tempo passar, quando estou pintando”, diz. Ela conseguiu até se iniciar nas castanholas: “Aprende-se tudo. Fiz cinco aulas para tocar castanholas. Havia trazido  há tempo de Madri, mas só agora aprendi a manuseá-las, pelo YouTube”. O YouTube também ensinou Bárbara Kreusig a desenvolver uma nova terapia, o croché.  Versátil, Bárbara é arquiteta, urbanista, artista plástica e “jardineira” (é uma das integrantes do Coletivo Jardim Secreto, no Poço da Panela).

Bárbara, que pinta belos florais, aproveitou o isolamento para bordar toalhas para as  mesas de sua residência. E fez o croché, via aprendizado no YouTube. “Descobri que era fácil”, afirma. Não sei se é assim tão fácil. Eu, por exemplo, acho que não teria habilidade tão grande nem paciência para manipular agulhas e linhas. Também moradora do Poço da Panela, Clarissa Garcia é idealizadora do Poço das Artes, ponto de encontro de gente com bom gosto musical da Zona Norte. Com a casa fechada e sem poder movimentar o bar, passou a explorar mais seu lado de artista plástica e a descobrir novos traços e técnicas. Os trabalhos dela têm agradado a muita gente.

Minha neta Alice tem um jeito danado para desenhar. Privada do convívio social com as coleguinhas do colégio, decidiu desenvolver mais ainda as habilidades. Ela adora mangás, ao ponto de estudar a língua japonesa. Na pandemia, descobriu-se retratista, ao fazer o desenho recriando a fotografia do irmão gêmeo, César (de azul).

Desenrolada que só  nos equipamentos eletrônicos, ela me ensinaria a desenhar usando o computador. Foi quando veio a pandemia, e a professora neta e a aluna avó tiveram que adiar os planos.  Alice é uma desenhista de mão cheia tanto nos equipamentos eletrônicos quanto à mão.  Com a Covid-19 e sem sair de casa, muitas pessoas desenvolveram melhor as habilidades que já possuíam e estavam adormecidas. Também há as que aperfeiçoaram as que já  tinham. Ou que não as tinha. Eu, por exemplo, que nunca fui de fogão (infelizmente…) aprendi até a cozinhar alguma coisa, durante os dias de quarentena mais rígida, quando a cozinheira da família, Vanda, também ficou em casa para se proteger do contágio da Covid-19.

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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Letícia Lins, Joana Carolina Lins Pereira e Bárbara Kreusig

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