Os “livros” da “biblioteca” de madeiras

Vinha da Praia do Porto da Barra, no sábado, 17/11, caminhando com meu inseparável companheiro de viagem, Fernando Batista, pela Avenida Sete de Setembro, o chamado Corredor da Vitória – em Salvador – quando me deparei com um belo prédio. Era o Museu de Arte da Bahia. Para um dia sem pressa, como curtem os baianos, nada como um programa cultural. Entramos. Além de todo o acervo de pinturas, porcelanas, mobílias, cristais, objetos de época, dois móveis repletos de livros me chamaram a atenção, aos dois lados da escada central. Com encadernações de luxo, eles logo me atraíram.  Mas, curiosamente, descobri que os livros não têm páginas.  É uma “biblioteca” de madeiras, coletadas, identificadas e embaladas em encadernações de luxo por iniciativa do médico Antônio Berenguer  (1904-1960), que era apaixonado pela flora brasileira.

Muitas pertencem à Mata Atlântica. Ao longo da vida, Berenguer reuniu uma coleção de nada menos de 600 madeiras diferentes, cujas amostras estão protegidas por pequenos “livros” (caixas com tal aparência). Morando no interior, em visita a Salvador encomendou dois armários a um marceneiro de respeito, para comportar a “biblioteca”. Cada livro abriga uma madeira natural, protegida por um pouco de verniz, com a identificação no dorso de cada volume. Anotem aí, algumas que o dedicado médico coletou: 21 tipos de jacarandá, oito de ipês, 20 de canela, 25 de louro, seis imbuais, 5 perobas. O campeão é o eucalipto, 51. Confesso que não sabia que essas plantas tinham tantas variedades. Será que todas sobrevivem? Ou algumas já sumiram. Está aí uma boa pergunta para botânicos.

Algumas das árvores por ele coletadas dão nomes a lugares: Juazeiro, Ibirapitanga, Itapicuru, Guarajuba (BA); Cedro (SP), Angicos (RN, mas atribuído a PE no Museu), Imbuia (SC). Explicam os monitores que muitas dessas espécies receberam  nomes pela aparência, cheiro, utilidade: açoita-cavalo, madeira de tamanco, maria preta, pau santo, coração de negro, canela amarga, pau para tudo, peito de pombo, quebra-facão. Lembram que as árvores também contribuíram para sobrenomes de muitas famílias: Cravo, Baraúna, Figueira, Jatobá, Oiticica, Laranjeira, Mangabeira. Em outro compartimento do museu, me encantou esse quarto em jacarandá, com  cama de casal, berço do bebê, mesinha  e suporte para bacia em porcelana, para dar os primeiros banhos dos nenéns baianos. Lembro que minha avó  materna, Maria José, tinha uma bacia de louça,  parecida com essa. O objeto, que hoje está com uma tia,  pertenceu aos seus ancestrais da vovó, e  era usado para dar os primeiros banhos de todos os recém nascidos da família.

O jacarandá, utilizado neste quarto, aparece em 21 tipos diferente na “Biblioteca de Madeiras”, de Antônio Berenguer.

 

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Texto e fotos: Letícia Lins / #OxeRecife

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