Viva! Depois de dois anos atrapalhando o direito de ir e vir do cidadão recifense, finalmente foram retirados os gelos baianos (foto) que estavam amontoados em calçada da Rua da Palma, na histórica esquina com a Rua Nova, no Bairro de Santo Antônio. Foi o que observei no último domingo, quando participei de mais uma edição das chamadas Caminhadas Domingueiras Olhe pelo Recife, sob a batuta do arquiteto e urbanista Francisco Cunha.
Em março de 2018, estive no local, com o mesmo grupo, e constatei que havia doze desses famigerados blocos de concreto sobre a dita calçada. Em março de 2019, passei de novo, no mesmo mês, durante a edição dedicada aos 492 anos do Recife, com roteiro realizado pelo mesmo grupo das Caminhadas Domingueiras. E no dia 18 de maio do mesmo ano, domingo, voltei ao local durante novo percurso, dessa vez tendo como tema foi Presença do estilo eclético do Recife, tão frequente nos bairros do Recife, Santo Antônio e Boa Vista.

Ao chegar na outrora sofisticada Rua Nova, me defrontei com a calçada vazia, livre dos blocos de concreto amarelos. Felizmente. Fiquei contente, embora triste pela demora de um problema tão simples só ter sido removido dois anos depois. A sinalização sobre a importância histórica daquela esquina , no entanto, está deixando a desejar. Como se sabe, foi ali – onde funcionava a Confeitaria Glória – que o então Presidente do Estado da Paraíba, João Pessoa (1878-1930), foi assassinado por um desafeto político, João Dantas (1988-1930). João Pessoa era candidato a Vice-Presidente do Brasil, quando foi baleado. Seu corpo foi embalsamado e transportado por via férrea (naqueles tempos, os trens funcionavam) para o seu Estado, onde foi velado. Depois, os restos mortais seguiram para o Rio de Janeiro, para o sepultamento. O assassinato é considerado o estopim para a eclosão da Revolução de 1930. Há quem diga, no entanto, que o assassinato de João Pessoa não teve só caráter político. Teria sido, também, uma acerto de contas por questão de honra.
É que na época, João Dantas era amante de Anayde Beiriz (1905-1930). Bela mulher – chegou a vencer concurso de beleza em 1925, promovido pelo Correio da Manhã – ela era professora e poetisa. E, com certeza, mulher de costumes avançados para a sociedade preconceituosa do início do século 20. Dizem seus biógrafos, que ela tinha coragem de “mamar em onça”. Em 1928, os dois iniciaram um romance. Em 1930, a polícia invade o apartamento de João Dantas, jogando seus pertences no meio da rua, expondo correspondência íntima do casal. E no dia 24 de julho, o diário secreto de Dantas começa a circular entre as autoridades do estado, inclusive no próprio Palácio do Governo. Dois dias depois, João Dantas mata João Pessoa no Recife. Justamente na esquina onde a história se perdeu, no meio de gelos baianos amarelos. A vida da poetisa está relatada no livro Anayde, Paixão e Morte da Revolução de 30, de José Joffily, que deu origem ao filme Parayba, Mulher Macho, que resgatou a história do verdadeiro pivô da Revolução de 1930. O livro, que me foi dado pelo próprio autor, está na minha biblioteca. Tenho admiração pela figura de Anayde e o maior carinho pelo livro, que guardo ao lado de Camarada e Amante, reuindo a correspondência entre Rosa Luxemburgo (outra mulher à frente do seu tempo) e Leo Jogiches (seu então amante machista0.
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Texto e fotos: Letícia Lins / #OxeRecife