O Sertão “urbano” do Recife no Benfica

Compartilhe nas redes sociais…

Sentindo falta dos passeios que costumo fazer a pé pelo Recife. Sejam com o Caminhadas Culturais, com o Caminhadas Domingueiras, com o Andarapé, com o Bora Preservar, para citar apenas alguns. Com a restrição a aglomerações com número de pessoas superior a dez, não dá para “passear” em grupo. Então, vez por outra – enquanto durar a pandemia –  vamos dar eventuais passadas “virtuais” em alguns locais da cidade. A parada de hoje é na Praça Euclides da Cunha, que  é um dos 15 jardins históricos do Recife, que foram projetados por Roberto Burle Marx (1909-1994), o mais famoso paisagista do Brasil, também tido como um dos mais importantes do mundo.

A última vez que lá estive foi com o Grupo Caminhadas Domingueiras,  que é liderado pelo arquiteto e urbanista Francisco Cunha. O tema do passeio a pé foi a presença do estilo neocolonial no Recife. E o ponto de partida foi exatamente a Praça, já que o Clube Internacional, ali localizado, era o primeiro alvo do grupo. Mas… e o que tem o jardim de curioso? É que ao invés de povoar a praça com as plantas decorativas e as árvores frondosas convencionais, Burle Marx optou pela vegetação característica do Sertão: macambiras, xique-xiques, facheiros, coroas de frades. Todas essas plantas, cheias de espinhos, comuns  ao bioma da caatinga, povoam o canteiro central  da Praça. “Os estudos de Euclides da Cunha sobre os Sertões do Nordeste representam fontes de inspiração para Burle Marx, para mostrar à vida urbana um retrato idealizado da paisagem e do clima sertanejo”, conta Ana  Rita Sá Carneiro, Coordenadora do Laboratório de Paisagismo do Curso de Arquitetura da Ufpe.

Estátua do sertanejo, de Abelardo da Hora, chegou depois à Praça Euclides da Cunha e se integrou à paisagem.

A vegetação agreste escolhida por Burle Marx para uma praça no Recife – nos anos 1930 – despertou polêmica entre intelectuais conservadores, liderados pelo jornalista Mario Melo.  Naquela época, o costume era seguir os padrões europeus em parques e jardins do Brasil. E o Recife não fugia à regra.  Burle Marx não se rendeu aos seus opositores. Mas em volta das cactáceas,  teve o cuidado de fazer um mini bosque de plantas também comuns ao semi-árido, como o pau-ferro e o juazeiro. As árvores mostram, segundo a especialista, que para o paisagista “fazer jardins é também criar microclimas”. Ela explica que “as árvores amenizam o ambiente, de certa forma agressivo, e formam uma cortina de proteção que vai da mais rude à mais amena vegetação”.

“O local onde fica a praça era chamado de Largo do Benfica, antigo Viveiro da Madalena”, lembra Francisco Cunha. “Burle Marx fez o projeto da Praça, que foi executado em 1935, logo após a Praça de Casa Forte”, acrescenta, referindo-se a aquele que é considerado como o primeiro projeto paisagístico de Burle Marx. Na Praça Euclides da Cunha há uma edificação datada de 1910 (na verdade uma estação de esgoto) cuja presença não se choca com o jardim. Para Francisco, Burle Marx agiu – apesar de muito jovem, à época – com muita sabedoria. “Ele fez um projeto que conseguiu esconder a estação no meio da vegetação de maior porte no anel externo dos três concêntricos que projetou”, explica. E completa: “o do centro com cactáceas, o do meio com vegetação de maior parte mas também da caatinga e, por fim, o externo com  árvores grandes e mais sombra”.  Quando a gente tem informações enriquecedoras como essas, passa a ver com outros olhos uma praça como a Euclides da Cunha. Sim, no meio, há uma estátua de um sertanejo, do escultor Abelardo da Hora. Mas ela chegou depois, por volta de 1950. No todo, o conjunto ficou harmonioso. Nada se choca. Nem mesmo a velha estação de tratamento de esgoto atrapalha a paisagem.  Ao contrário, incorporou-se a ela!

Leia também:
Livro mostra jardins históricos do Recife
Caminhadas Domingueiras: Mergulho no estilo neocolonial do Recife
A República e o estilo eclético
Burle Marx na caminhada de domingo
Trilhas ecológicas lembram Burle Marx
Olha! Recife visita jardins históricos
Detonados, jardins históricos têm apoio
Olha! Recife: Derby no domingo
No rastro das Caminhadas Domingueiras
Aplicativo sobre jardins históricos
Parem de derrubar árvores (41)
Praça vai ser patrimônio da humanidade. Vamos cuidar?
De olho nos nossos jardins históricos
Jardim histórico cheio de lixo
Praça 17 está abandonada
Praça da República sem gramado
Praça do Arsenal de fonte luminosa
Cadê o gramado da Praça do Arsenal?
Burle Marx em discussão na Ufpe
Caminhada abre Semana Burle Marx
Burle Marx, maçonaria e boemia no Olha! Recife
Sessão Recife Nostalgia: Quando a Praça do Derby era um hipódromo
Derby: eclético, arte déco, moderno
A exuberância do abricó de macaco
Veja a flora do sertão em Dois Irmãos

Serviço:
Quem quiser mais informações sobre os jardins históricos de Burle Marx, pode optar pela leitura do livro Burle Marx e o Recife, organizado por Ana Rita Sá Carneiro, Maurício Cavalcanti e Lúcia Maria Veras.  Ele acaba de ser reeditado pela Cepe (Companhia Editora de Pernambuco), e está disponível na loja on line da Cepe  (http://www.cepe.com.br/lojacepe/burle-marx-e-o-recife)

Texto e fotos: Letícia Lins / #OxeRecife

Continue lendo

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.