Meu amigo Fernando Batista, a quem tive o prazer de hospedar esta semana, é a pessoa mais “baobá” que conheço. Posso até dizer que vive em constante simbiose com a espécie vegetal. Ele é apaixonado pela árvore, a quem dedicou uma dissertação no Mestrado em Antropologia. E é sobre ela que prepara-se, agora, para defender tese de doutorado que o levou a trocar o Recife por Salvador. Foi a árvore sagrada e mágica que nos aproximou e também de um montão de gente, hoje uma verdadeira confraria de amigos da planta, que tem em Pernambuco a maior concentração da espécie no Brasil. O baobá tem origem africana. Mas para o antropólogo, ele já se incorporou à paisagem local e mais ainda à alma da população no Estado.
“O baobá é a árvore que mobiliza o mundo afetivo do pernambucano como nenhuma outra é capaz de fazer”, afirma. Lembra, no entanto, que a árvore nos remete a questões não só botânicas, mas também lendárias, místicas e religiosas. Ao concluir o curso de Turismo, na Universidade Católica de Pernambuco, ele apresentou monografia sugerindo o aproveitamento do que se transformaria depois no famoso Jardim do Baobá, hoje um dos espaços públicos mais emblemáticos do Recife. No trabalho, apresentado em 2006, sugeria recuar o muro diante do potencial de aproveitamento da área à margem do Rio Capibaribe que teria como atrativo exatamente… o baobá. Não sabia, no entanto, que em algumas esferas do poder, simultaneamente, havia planos para transformação do espaço hoje consagrado junto à população recifense. “Ou seja, a árvore motivou o desejo coletivo de preservação da área entre pessoas que não se conheciam”, afirma.
Na Ufpe, ele apelou para o lado etnográfico da planta e sua dissertação de Mestrado em Antropologia abordou a presença do baobá no terreiro de candomblé Ilê Axé Opô Aganju, localizado no município Lauro de Freitas, na Região Metropolitana de Salvador. Na Ufba, dá seguimento aos estudos sobre o baobá. Vai investigar uma possível relação entre a árvore de origem africana e a chamada família da palha do candomblé, representada por orixás como Nanã, Omulu e Oxumaré. Estudos acadêmicos à parte, meu amigo é um grande semeador da espécie, já tendo distribuído mudas e sementes para boa parte do Brasil, tendo sempre o cuidado de explicar as regras para garantir o sucesso no crescimento da planta mágica, sagrada e poderosa. No campus da Universidade Federal de Pernambuco, por exemplo, onde já existia três exemplares plantados, ele acrescentou nada menos de 15. E outros servidores plantaram outros. Hoje os baobás somam mais de 20 nos jardins da Ufpe.
A presença da espécie até motivou a criação e uma trilha dos baobás da Ufpe, que deve funcionar até o final do ano, quando qualquer pessoa, de mapa na mão, poderá visitar os exemplares do campus, incluindo o famoso “pata de elefante”, apelido carinhoso para um dos exemplares ali plantados, cujo tronco lembra a pata do mamífero. Na Oficina Francisco Brennand, no bairro da Várzea, crescem os baobás cujas mudas foram por ele levadas, em 2003. Há alguns dias, estivemos lá com a ebomi e griô Vó Cici e Marlene Jesus da Costa, autoras do livro Cozinhando História – Receitas, Histórias e Mitos de Pratos Afro- Brasileiros. Elas (na foto acima, com Fernando) são da Fundação Pierre Verger, em Salvador. Claro que, além de toda a “catedral da arte” criada por Brennand, Fernando incluiu a visita aos baobás ali plantados.
No último sábado, ele esteve em uma sessão de contação de histórias. dos Doutores da Alegria. Levou sementes da planta mágica, já que os responsáveis pela ong em Pernambuco, querem cultivar um baobá nos jardins de algum hospital público onde atuam. Ou seja, o baobá sempre criando laços. Pensem em uma árvore agregadora! No domingo, os Doutores da Alegria farão a sexta edição da Bobociclismo. Farão o Circuito dos Baobás no Recife, saindo do Parque da Jaqueira, às 8h30m.
Quanto ao plantio, requer cuidados. “Árvores como a jaqueira, o coqueiro e a mangueira não são nativas, mas estão incorporadas na nossa realidade cultural. Suas sementes brotam espontaneamente, mas isso ainda não acontece com o baobá, que quebrou a barreira geográfica mas não a ambiental”, lembra Fernando Batista. Por esse motivo, há cuidados mais do que necessários: deixar as sementes mergulhadas na água para que quebrem a dormência, preparar as mudas e escolher locais espaçosos e claros para semeá-las. “O baobá ainda sofre se for colocado no meio de outras plantas de crescimento mais rápido, por não estar no seu habitat, como as savanas africanas e os campos de Madagascar, por exemplo”, diz. “Ele cresce mais dentro das pessoas do que em meio à nossa flora”, explica. Isso não impede, no entanto, que tenhamos belos e enigmáticos exemplares como o baobá da Praça da República (no Centro) e do Jardim do Baobá (no bairro das Graças), plantas imensas e cada vez mais presentes nos corações de todos nós.
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Texto e foto: Letícia Lins / #OxeRecife