Eu já tinha percebido isso, aqui em casa, onde há sempre um ninho de passarinho. Ocupado, vazio ou reocupado. Há “inquilinos” disciplinados, que usam a “casa” do “colega” sem reclamar. Outros, fazem a sujeira no assoalho. Porque desmancham tudo com a maior rapidez para reconstruir outro ninho, muitas vezes do mesmo tamanho, no mesmo lugar. Ao observar um que caiu de uma cesta de samambaia pendurada na varanda, tomei um susto. Ao invés só de palhinhas e folhas – como era usual – o ninho era forrado com tirinhas de plástico, um material cada dia mais presente no meio ambiente. Pior: há alguns dias, foi retirado de uma torre de telefonia aqui no Recife um ninho de gavião – carcará (Caracara plancus). Adivinhem de que era feito: gravetos, barbantes, arames, fios e… cabos de Internet. Acreditam?
O ninho estava a uma altura de 27 metros (foto acima) na torre. E, pelo que se observa, o gavião aprendeu a construí-lo com o que acha não só nas matas – cada dia mais raras – e sim com o que anda recolhendo na selva de pedra das áreas urbanas. Aliás, como o ninho de pássaro que achei na minha casa, tecido com a maior delicadeza, apesar dos plásticos. O ninho do carcará foi encaminhado para a coleção ornitológica da Universidade Federal de Pernambuco, onde foi entregue pela Unidade de Fauna da Agência Estadual do Meio Ambiente. Ou seja, agora, o ninho com a cara do século 21 é patrimônio do Laboratório de Ornitologia (Ornitolab), do Departamento de Zoologia da Ufpe. O ninho estava atrapalhando a antena e os serviços de telefonia celular. Tinha apenas um ovo seco. E a Tim contratou uma empresa de alpinismo industrial para removê-lo. No caso, a Alpin Serviços Prediais. Se a mãe carcará ainda estivesse com a ninhada, ia defender o seu “território” com unhas e garras. Mas pelo que se observou, a família já havia se evadido.
E o ninho não é pequeno. Tem 65 centímetros de comprimento, 40 de largura e 35 de altura. Até cabos de Internet foram utilizados pelo sábio carcará. O ninho servirá para o estudo do comportamento animal na selva de pedra em que vivemos. Os carcarás estão cada dia mais próximos de nós. Lembrei de um fato que aconteceu no décimo terceiro andar de um prédio em Boa Viagem, onde reside minha filha Juliana. Por diversas vezes, o pratinho de carne do almoço que era colocado na varanda (para descongelar) sumiu. O mistério não tinha explicação.Teve dia que a cozinheira foi até o térreo, ver se o prato tinha caído lá de cima. Perguntou aos vizinhos, ao porteiro e… nada.
Em uma manhã de sol, o mistério foi esclarecido: o carcará vinha, pegava o prato com as garras e voava com o “banquete” do dia. Foi flagrado no ato. Na falta de animais para ele comer, a ave de rapina aprendeu onde buscar seu alimento. Prontinho e embalado. O ninho tecnológico do Carcará – agora na Ufpe – está ao lado de outros de curutié, garibaldi, rolinha, ferreiro-relógio e joão-de-barro. Lá não tinha nenhum daquele tipo de avião. Muito menos feito com fios. “Carcacará, pega, mata e come/ não vai morrer de fome”, lembram da música de João do Vale? Se depender do gavião que surrupiava a carne do almoço na Zona Sul e do dono do ninho tecnológico achado no alto da torre de celular, não morre mesmo. É só uma questão de se adaptar aos novos tempos.
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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Cprh/ Tim/ Divulgação
Muitíssimo obrigado por nos citar!
Semana do Meio Ambiente e de relacionar boas ações nessa área. Disponham sempre.