Houve um tempo em que a pesca da baleia era liberada no Brasil. Até o século passado, esses maravilhosos gigantes do mar eram capturados sem dó, em Cabedelo, na Paraíba. Os algozes eram de uma empresa de origem japonesa, que além de exterminar os mamíferos ainda enchiam as arquibancadas do ancoradouro com “turistas” que assistiam a um ritual sanguinário. As pessoas pagavam ingressos, para assistir ao ritual do corte das baleias. Em menos de 20 minutos, cada baleia era retalhada em pequenos pedaços, deixando um mar de sangue no chão do galcão onde ocorria o macabro ritual. De tudo dela se aproveitava. Até os ossos, que eram triturados para se transformar em adubo, para abastecer produtores de pimenta na Região Norte do Brasil. Pelo menos, era o que se falava na época.
Lembro que uma vez estive na Paraíba para fazer uma reportagem sobre a prática e voltei indignada com o espetáculo de sangue. Só na noite em que lá estive, o navio pesqueiro rebocara nove animais. Dava pena de se ver. A reportagem – à época, no meu inesquecível Jornal do Brasil – desencadeou polêmica tão grande, que a empresa terminou trocando a pesca da baleia pela dos tubarões. Hoje, graças a Deus, a captura dos maravilhosos e inofensivos animais é proibida em todo território nacional. Mas nem sempre foi assim. Fala-se até que o óleo de baleia era usado antigamente, na construção de casas no período colonial. Nosso amigo, leitor e historiador Bráulio Moura explica que “babado é esse de óleo da baleia nas paredes do Brasil colonial”, que virou uma “verdade” histórica na cabeça das pessoas.
Veja o que diz o turismólogo e historiador:
“Você já deve ter ouvido de alguém numa visita a qualquer cidade histórica brasileira que os prédios eram construídos com óleo de baleia e que por isso duravam tanto tempo em pé e eram inabaláveis. Quem nunca escutou isso atire a primeira pedra (sem óleo, por favor). Quando a gente tem contato com informações básicas de construção, arquitetura e até conversando com um pedreiro que fez um serviço em casa, descobre que no cimento deve ser evitado o contato com substâncias como gorduras e óleos, o que pode comprometer a sua qualidade e a durabilidade.
Desde a antiguidade , lá das pirâmides, zigurates e templos, passando por nosso sobrados e mocambos, aprendemos que os principais materiais aglutinadores foram o barro, a argila, o gesso, a cal e o cimento moderno Portland, criado em 1824, como bem cita o arquiteto Alan Dick Megi. Mas então, que babado é esse do óleo de baleia nas paredes do Brasil colonial? Bem, primeiro é preciso dizer que nas argamassas era usada uma cal de ostras como aglutinante, extraída dos arrecifes e praias do Nordeste e dos sambaquis no Sul/ Sudeste. Na Ilha de Itamaracá, em Pernambuco, ainda há um antigo forno do período colônia, o Forno da Cal. E o óleo de baleia? Bem, este era muito utilizado como combustível, principalmente na iluminação pública, para acender os lampiões.
No passado brasileiro, muitos comerciantes enriqueceram com a comercialização do produto, de alto custo, fazendo o seu dinheiro com o óleo de baleia. E, por extensão, suas casas que, em todo o seu luxo, diziam ter sido erguidas com o produto, expressão que caiu na boca do povo nos grandes centros comerciais: “Foi construída com óleo de baleia”. Há ainda um documento pertencente ao Museu Histórico de Igarassu, citado pelo restaurador Antônio Alves Filho (do Ceci – Centro de Estudos Avançados da Conservação Integrada), que fala, no século 18, em usar óleo de baleia na reforma da Matriz, aludindo a aplicar parte do imposto recolhido na comercialização do produto para as obras da igreja, contribuindo assim para a crença popular.
Mas Bráulio, meu avô jura que viu uma casa ser feita usando óleo de baleia ser feita mesmo usando óleo de baleia. Foi mesmo? Sim. Mas não na sustentação e amarração de pedras e tijolos. O óleo chegou a ser usado em algumas e poucas obras como impermeabilizante ou adesivo, para proteger a parede contra infiltrações e umidade, como atesta o professor e restaurador Jorge Tinoco. Ele diz, ainda, que pelo alto custo do produto na impermeabilização, eram usadas mais outras gorduras como sabões.
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Texto: Letícia Lins (com Bráulio Moura) / #OxeRecife
Fotos: Bráulio Moura (Forte de Orange) e CTA / Veracel /Acervo #OxeRecife (baleias)
tem oleo japones.